quinta-feira, 13 de outubro de 2011

SABERÁS DEPOIS – de como entregar-se ao senhorio de Cristo –


        
Jesus respondeu a Pedro:
O que eu faço não o sabes agora, compreendê-lo-ás depois                (Jo 13.7) – RA - A Bíblia Anotada.
Outras versões:
          IBB-RC: “... mas tu o saberás depois”.
          EC – “... mas o compreenderás depois”.
          IBB-VR: “... mas depois o entenderás”.
          NVI – “Você não compreende agora o que estou lhe dizendo; mais tarde, 
                     porém, entenderá”.
NTLH – “Agora você  não  entende  o  que  estou  fazendo,  porém  mais  
              tarde vai entender!”.

          Outras versões, de reconhecido valor, grafam o texto de modo semelhante aos já referidos acima.

          Uma vista, de passagem, na circunstância em que essa expressão foi proferida por Jesus, dá-nos dois detalhes importantes:

1)    O capítulo 13 de João assinala o início do ministério particular de Jesus Cristo com os seus discípulos. Passada a fase das manifestações públicas, com portentos reveladores de sua divindade, reserva-se o Senhor para os doze, e se empenha por formar-lhes o caráter, a consciência. O ideal por que se votou pode ser visto em    Jo 14.12 – “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai”.
2)    Seguiu-se à Páscoa – um período comumente usado para reflexão; quer-se uma reflexão mais apurada –, um fato que seria marcante na vida dos discípulos de todas as épocas (João cap. 12), com episódios de extrema significação e culminância no ensino, a chamada cerimônia do lava-pés, com uma lição de humildade a Pedro e aos demais, mas, principalmente, enfocando o âmago do ensino penetrante e purificador – compreenda-se a profundidade espiritual de Jo 15.3 – “Vós já estás limpos, pela palavra que vos tenho falado”.

Há algumas subtilezas que merecem atenção especial: Jesus está agindo. Ele é livre para agir. Ao homem convém não opor-lhe obstáculos. Pedro, aliás, gostava por demais dessas ingerências, por vezes com alguma intemperança... Aqui ele é o Pedro, tantas vezes excitado e descaridoso, ensimesmado e arrogante, autossuficiente e xenófobo. Aqui ele é um judeu empedernido que se encaminha para a simplicidade do cristianismo.
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          Jesus está agindo, e mais que isto, construindo vidas, uma nova realidade, um novo recipiente, porque vinho novo deve ser posto em odres novos (Mt 9.17). A velha vida não comportaria a nova palavra com suas inarredáveis implicações.
          Jesus sabe o que quer fazer em Pedro, mas o apóstolo ainda não sabe. Sua mente e seu espírito não têm tal alcance – “tu não sabes agora, mas saberás depois”. Era necessário reconhecer quem estava agindo para entender o que Ele estava fazendo. Isso equivale a entrar no Espírito de Cristo. Todo espírito é volúvel, até que se ancore no Espírito de Cristo. Valha-nos pensar nas tibiezas e oscilações do espírito do irrequieto apóstolo, ainda em formação. Arroubos podem até embevecer, mas não são garantia de boas ações.
          “O que eu faço não sabes agora...” A questão essencial aqui, não é entender, na hora, o que Jesus está fazendo, mas ver, depois e sempre, quem estava agindo. E quem está agindo é o Filho de Deus. Fá-lo em nome de Deus Pai. Só deste Evangelho do Filho de Deus, que é o Evangelho de João, destacamos estas referências: Jo 4.34; 5.30, 36; 6.38; 17.4; 19.28.
          Jesus está agindo, a seu modo e nas circunstâncias que Ele mesmo estabeleceu. Reconhecer o tempo de Deus é, já, situar-se na coerência de Deus, o que vem a ser uma elevação do espírito humano para além de suas limitações. Saber esperar o tempo de Deus é situar-se na agenda de Deus e auferir o melhor do que a existência humana pode comportar. Davi já ensinava: “Espera pelo Senhor, tem bom ânimo, e fortifique-se o teu coração; espera, pois, pelo Senhor” (Sl 27.14). Do mesmo Davi (Sl 37.7) – a confiança se associa à esperança. No verso 5, a confiança está associada à entrega. Não é menos encorajadora essa oração davídica para livramento (Sl 40.1), em que se ressalta a singeleza do Senhor de inclinar-se para nos ouvir. É esta a postura de um servo de Deus, que se estende ao longo da Sagrada Escritura.
          Como, diante destas evidências, se justificaria um agir fora dessa cadência e desse espírito? Não seria, porventura, ou por desventura mesmo, um agir na carne? Decerto! E é ainda certo que “os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne...” (Gl 5.24a), e é igualmente verdadeiro que “os filhos de Deus são guiados pelo Espírito de Deus” (Rm 8.14).
          Deixe-se, pois, que o Espírito que comanda as ações de Deus (Deus não age contra si mesmo), também comande as ações humanas, na Igreja, na denominação, na vida. Por exemplo: pastores são alçados a pastorados por Deus e são removidos por Deus. Não nos vale, à guisa de exemplo, o episódio da escolha de diáconos na Igreja de Jerusalém? (At 6.1-7). Também, já não nos serve o exemplo da Igreja de Antioquia, na separação, pelo Espírito Santo, de dois extraordinários pastores, Barnabé e Saulo, para a vocação eclesiástica – “para a obra a que os tenho chamado”? (At 13.2, 3). Que fez a Igreja? Jejuou, orou, impôs as mãos sobre eles e os despediu. Claro está, fê-lo cumprindo um desígnio do seu Senhor. Isto é agir no Espírito e pelo Espírito!
          Não soa bem que instituições do Reino de Deus sejam conduzidas dentro de modelos que não resistiriam a um teste da ética bíblica. Se precisarmos praticar a “política dos homens” para tocar projetos na causa de Cristo, dificilmente haverá licitude em evocar o nome de Deus para abençoar ou referendar nossos feitos. É preencher convenções meramente humanas, “empurrar com a barriga”  e, claro, isso é carne, conduta pecaminosa, é ofensa
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à dignidade humana e à santidade divina.
A experiência mais altaneira e mais dignificante em nossa vida de servos ocorre quando nos submetemos à soberana vontade de Deus. Não é quando ditamos as regras, mas é quando Deus aponta o caminho. Nesse estágio,     “os meus pensamentos serão os vossos pensamentos e os meus caminhos serão os vossos caminhos”, sem pretender uma contraposição a Is 55.8.
          A melhor política é situar-se no centro da perfeita vontade de Deus    (Rm 12.1, 2). Só assim, nossas ações assumirão feição de culto, e culto racional, como o Apóstolo Paulo ensina.
A luta por poder, em nossos arraiais, chega a ser “letal”, do ponto de vista ético. A propósito, citamos a pretensão, descrita em episódio relacionado com “graduação no reino” (Mt 20.21), de uma solícita e sonhadora, ardorosa e bem-intencionada mãe, que desejava que seus filhos, João e Tiago, ladeassem Jesus quando estivesse no seu reino – “... Manda que, no teu reino, estes meus dois filhos se assentem, uma à tua direita, e o outro à tua esquerda”. Esses meninos, ao que parece, estavam preocupados com posição de destaque no reino, na glória. Ou eles ou a mãe deles. Abstiveram-se da mais elevada, da mais honrosa posição que um ser humano pode galgar: a de servo do Senhor dos senhores. Esta é a condição singular em que um simples humano pode – ressalvadas as proporções e as circunstâncias –, encarnar o espírito e a disposição de serviço de Jesus, o Filho Eterno de Deus. É uma inferência possível de Jo 14.12.
         Há apenas um poder a nos comandar: é o poder do Espírito de Deus, benfazejo e abençoador. E esse poder está no Filho (Mt 28.18b).
          Feitas estas digressões, voltemos ao texto inicial.
          Teria Pedro assimilado a instrução do Filho de Deus? Sabemos que ele vacilou, muito e feio. Mas a misericórdia divina ocorre justamente para os fracos, os desprovidos de mérito. Méritos, quem os tem? Não devem ser expectativa nem prerrogativa de servos. Méritos têm-nos o Senhor, que manda nos servos. Ao servo não convém senão fazer o que manda o seu Senhor. E que exemplo indefinível, o do próprio Jesus! Di-lo Ele mesmo, em Lc 22.27 – “... no meio de vós, eu sou como quem serve”.
          Vacilou o apóstolo? Sim. Ele era homem, como humanos somos nós. Não lhe faltou, contudo, como, de resto, a nós outros, a graça restauradora.
          Ao final de sua vida verifica-se que o que antes fora resistência, fizera-se submissão, já anunciada, aliás (Jo 13.9) – não só os pés (para um caminhar certo), e as mãos (para um agir exemplar), mas, sobretudo, a cabeça (para um pensar coerente com o Espírito de Cristo).
          E depois? Depois que houvermos assistido ao desenrolar dos fatos, e virmos seus efeitos benéficos e restauradores, certamente diremos: foi Deus! Foi Deus! Como Jacó (Gn 28.16) – “Na verdade o Senhor está neste lugar; e eu não sabia”.  Ao despertar do sono...
          Fiquemos com o ensino de Paulo, em Cl 3.17 – “E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai”. Mais que referir um “nome”, é encarnar o conteúdo desse nome.

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