INTRODUÇÃO
Qualquer diagnóstico de uma igreja cristã passará necessariamente por sua adoração. Mais precisamente o tipo de adoração, a qualidade da adoração, o nível da adoração.
Adoração é algo indispensável à vida de todo cristão. É verdade que todos sabemos disto. Entretanto, não são muitos que sabem distinguir entre uma adoração verdadeira e “um culto que provoca náuseas ao Senhor da Glória”.
Uma criança, ao ver um grande cartaz sobre os cultos de uma igreja, perguntou a seu pai: “O que significa cultuar?” O pai respondeu: “Significa ir à igreja e escutar o sermão do pregador”. É provável que a maioria das pessoas que freqüentam as igrejas pense assim. Em geral, os cultos são atrelados a quem esteja à sua frente. A simples menção de uma pessoa famosa é garantia de sucesso. Daí resulta que nossas motivações são, em geral, mais humanas que propriamente espirituais. Trata-se naturalmente de uma concepção equivocada.
Esta lição pretende tornar claro o verdadeiro sentido da adoração bíblica, até porque sabemos que Deus não aceita uma adoração fora dos padrões de sua Palavra.
I. O ENSINO DA ESCRITURA SOBRE ADORAÇÃO
1. É muito extenso o vocabulário bíblico sobre adoração. Mas seu conceito essencial, tanto no Antigo como no Novo Testamento, é de “serviço”. Adorar é uma forma de serviço a Deus. Não significa “trabalho”, na forma braçal, operária, por exemplo, mas serviço – atitude piedosa diante de Deus, em que o ser humano se põe diante do Absoluto, reconhece-Lhe a soberania e Lhe presta adoração. Adorar, portanto, é a postura mais elevada de um ser humano: ele se põe diante do Senhor dos senhores numa condição reservada exclusivamente a seres humanos.
2. A adoração é a conduta mais cara ao ser humano. A nenhum outro elemento da criação foi concedido pôr-se diante de Deus para um contato íntimo com Ele, numa relação à base de “virtudes” pessoais, como o pensar, o sentir, o querer, o aspirar, o amar. São peculiaridades de pessoa, gente, que tem história, tem nome, tem sentido, tem vocação, tem alma, pode alcançar a condição de filho por meio de Jesus Cristo (Jo 1.11, 12). Causa perplexidade o fato de que esse ser, humano, tão privilegiado, é justamente o que confronta a santidade divina com suas transgressões. Mas é aí que melhor se vê o milagre do Evangelho, que resgata o homem e lhe restitui a condição, originalmente perdida, de adorador.
3. Na Bíblia, nos dois Testamentos, há os termos: “abhôdhâ” (hebraico) e “latreia” (grego) que, originalmente, significavam “o trabalho efetuado pelos escravos ou empregados”. Para oferecer essa “adoração” a Deus, Seus servos literalmente se prostravam – “hishtahawâ” (hebraico); “proskyneõ” (grego). Dessa forma manifestavam temor reverente, admiração e respeito, que são próprios da atitude de adoração.
4. No Antigo Testamento, as instâncias de adoração são individuais (Gn 24.26ss; Êx 33.9 – 34.8). Mas essas instâncias também recaem sobre uma parte da congregação (Sl 42.4; 1Cr 29.20). Entenda-se: no Antigo Testamento a adoração é tanto individual como coletiva. Ocorria de modo proeminente no tabernáculo como no templo. Também ocorria nos sacrifícios diários, matutinos e vespertinos, na celebração da Páscoa e no chamado Dia da Expiação. Em Israel, usava-se o louvor público (Salmos 93, 95 a 100). Faziam-se orações (Salmos 60, 79 a 80) com a finalidade de expressar amor e gratidão a Deus (Dt 11.13). Com essas peculiaridades, o ato de adoração se tornava espiritual e autêntico. Note-se, já aí, mais que mera formalidade.
5. No Novo Testamento, a adoração ocorre tanto no templo como na sinagoga. Em ambos, Cristo se fez presente, mas sempre inculcando a adoração como proveniente do amor e do coração voltados para o Pai celeste. Com a presença do Cristo, a aproximação de Deus por meio de um ritual qualquer ou mediação sacerdotal é desnecessária e destituída de importância. Todos os sacrifícios sucumbiram diante do sacrifício do Filho e todo sacerdócio se consuma no Filho (Hb 7.23-28; cf. 1Pe 2.9 – aludindo ao sacerdócio (real) individual dos crentes. Diferente de como era antes. Outra informação que temos é que no Novo Testamento a adoração assumiu caráter de conduta no templo e serviço prestado ao próximo (Lc 10.25ss; Mt 5.23ss; Jo 4.20-24; Tg 1.27), bem como independia de lugar (Jo 4.21, 23) – sentido bem mais abrangente.
II. ADORAÇÃO EM ESPÍRITO E NO ESPÍRITO
1. Como já vimos, a adoração cristã não depende de lugar, ou espaço físico. No entanto, é bom lembrar que a própria Bíblia consagrou alguns “lugares” nos quais se reuniam ordinariamente os cristãos para adorar. O próprio Jesus adorou no templo, no monte, adorou na própria cruz. A adoração ocorria no templo, nas sinagogas (os primeiros anos de vida cristã dos judeus convertidos ao Evangelho; Paulo, aonde chegava, em suas andanças missionárias). Atos 2 nos informa que os primeiros cristãos se reuniam regularmente nas casas. Paulo e Silas evangelizaram Lídia na beira de um rio (At 16.13-15). Depois, adoraram num cárcere (25-40). Como se vê, a adoração bíblica transcende o espaço físico, o lugar.
2. Outro princípio marcadamente bíblico é o que nos conduz a Deus levando-se em conta sua realeza. Ele é o Rei dos reis. Esta certamente foi a experiência de Isaias (Is 6.1-8), ao aclamar a Santidade do Senhor, cujas vestes enchiam o templo – as vestes, e só suas bordas –, porque o templo era insuficiente para contê-Lo. Outro exemplo de adoração a esse nível é o que ocorreu no Monte da Transfiguração (Mt 17.1-13; Mc 9.2.13; Lc 9.28-36). Embora perplexos e meio atordoados, Pedro, Tiago e João renderam sua adoração. Viram Jesus em sua verdadeira natureza – é o que tecnicamente chamamos de Cristofania ou Teofania (Deus). O episódio prefigurou a futura glória e a transformação metafísica, do homem Jesus e de todos que estivermos em Cristo. Mas indescritível mesmo é a experiência de Paulo, conforme descrita em 2Co 12.1-10 – “palavras inafáveis, as quais não é lícito ao homem referir”.
3. Adoração em espírito e no Espírito. Para adorar no Espírito é preciso estar em espírito de adoração. O que significa uma tal adoração? Temos de Paulo o ensino de que a verdadeira adoração é aquela que nós oferecemos a Deus pelo Espírito, isto é, não confiando na carne, mas, como Paulo, gloriando-nos em Jesus Cristo (Fp 3.3). Em certo sentido nossa glória é a glória da cruz – “Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo...” (Gl 6.14). De modo algum significa “crucificar” Cristo outra vez, como alguns atos litúrgicos que reproduzem o sacrifício do Gólgota. Ainda: “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (1Co 1.31). A adoração não se afirma em ou a partir de méritos humanos. Somos recebidos como adoradores pela graça de Deus em Cristo.
4. Valemo-nos, nos dois pontos seguintes, do luminoso pensamento do Pastor Russell P. Shedd, extraídos de seu livro, Adoração Bíblica, págs. 7, 8.
a) “Percebe-se então que adorar a Deus requer que, aquele que se aproxima do Senhor para adorá-lO, guarde-se de uma vida pecaminosa, indiferente aos Seus mandamentos, porquanto sua adoração será sem sentido; será uma falsa adoração, mesmo que os atos sejam perfeitos. Se Deus quer verdadeiros adoradores, Ele só Se alegrará com aqueles que correspondem às Suas exigências. Ele rejeita a liturgia dos “anciãos” ou a da denominação à qual pertencemos se esta não for bíblica. De modo semelhante aos romanos, se o ventre for o nosso Deus (Fp 3.19), o culto que oferecemos será abominação e insulto a Deus, três vezes Santo (Is 6.3). Além disso, devemos lembrar sempre que o contato real e permanente com Deus não deixa de ter seus reflexos na vida daquele que cultua”.
b) “Em nosso mundo evangélico, repleto de reuniões, estudos bíblicos, bons livros, música sacra, mensagens, conferências, retiros, deveria se esperar que os cristãos refletissem o efeito destas atividades em vidas caracterizadas pela santidade. Mas, talvez, ao olharmos para nós mesmos, admitiremos o que G. Verwer, diretor-fundador da Operação Mobilização, chamou de ‘esquizofrenia espiritual’. Dividimos nossas vidas em dois compartimentos. Um, envolvendo nossas atividades religiosas, exemplificadas pelo nosso cantar, orar, falar e testemunhar; outro, envolvendo todas as atividades não religiosas; nossa conversa, sociabilidade, tempo de trabalho e lazer, sentados à mesa, ou atentos aos programas de televisão. Uma dicotomia notável caracteriza a vida daqueles que reivindicam comunhão com Deus, afirmando ser residência do Seu Espírito”.
5. Continua o Pastor Shedd – “Quando nos comparamos aos cristãos em geral, é fácil concluir que a nossa saúde espiritual está em ótimo estado. Mas os judeus religiosos, contemporâneos de Jesus, também atribuíram a si mesmos alto nível de espiritualidade. Foi o Filho de Deus que estourou o balão de pretensões, espiritualmente oco, dos escribas e fariseus. Quando ocorre a espiritualidade genuína e agradável a Deus, é arrancada a máscara da hipocrisia. A adoração em espírito e em verdade exige o temor de Deus, o qual deve se fazer acompanhar de religiosidade externa. ‘Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne, como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus’ (2Co 7.1). ‘O temor do Senhor é o princípio da sabedoria’ (Sl 111.10). Sabedoria e santidade de vida unem-se na carta de Tiago, onde se afirma que essa sabedoria tem sua origem no ‘alto’, isto é, na pessoa de Deus. Por isso, ela é ‘pura... plena... de bons frutos... sem fingimento’ (Tg 3.17)”.
CONCLUSÃO
A adoração bíblica, cristã, obedece a princípios. Um culto não pode ser realizado de qualquer jeito (...), de modo a satisfazer os desejos e preencher expectativas particulares de “artistas” ou de pessoas com carências especiais... Assiste-se, hoje, com freqüência, a “cultos à personalidade”, isto é, em homenagem a determinadas figuras importantes..., notáveis..., de certo destaque dentro de nossas igrejas. Isto acontece, por vezes, por interesse ou exigência de grupos familiares. Aí muita gente fica acesa!...
O culto deve ser prestado a Deus – “ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás” ou darás culto (Mt 4.10). Quando um culto não tem como objetivo fundamental tornar Deus real e pessoal, nele se incluem “feno e palha”, que nem edificam seus participantes nem exaltam ao Senhor. “A maneira como uma igreja adora reflete a teologia da comunidade” (Shedd), como entendiam os teólogos de Westminster – que criam ser o principal alvo do homem glorificar a Deus e alegrar-se nEle por toda a eternidade.
“À medida que o culto concentra-se no homem, em vez de Deus, suscita-se a noção falsa de que Deus é um simples espectador que acompanha nossa atividade, como um avô que se diverte com as brincadeiras de seus netos”.
Deus, só Deus é “digno de receber a glória, a honra e o poder...” (Ap 4.11).
Fontes:
DOUGLAS, J. D. (Editor Organizador). O Novo Dicionário da Bíblia. 3 Volumes.
Vol. 1. São Paulo: Junta Editorial Cristã, 1966.
SHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado versículo por
versículo. 6 Volumes. Vol. 1. São Paulo: Milenuim Dist. Cultural Ltda, 1980.
SHEDD, Russell P. Adoração Bíblica. São Paulo: Edições Vida Nova, 1987.
BIBLIAS – diferentes versões.
ESTUDO BÍBLICO MUITO BOM E EMBASADO ! DEUS SEJA LOUVADO....GRATO
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