domingo, 22 de fevereiro de 2015

Igreja



ANOTAÇÕES PARA AULAS DE ADMINISTRAÇÃO ECLESIÁSTICA


Significado

1.    O vocábulo “Igreja” deriva-se do latim ecclesia, e do grego ekkesia, com várias ocorrências no N.T. Em sua maioria, uma congregação local de cristãos. Nunca um edifício.

2.    Com frequência falamos sobre essas congregações em sentido coletivo – Igreja do N.T. ou Igreja Primitiva. Nenhum escritor do N.T. emprega o termo ekklesia neste sentido.
“Ekklesia era uma reunião ou assembleia pública de cidadãos devidamente convocados e que era característica de todas as cidades fora da Judeia onde o Evangelho foi implantado” (At 19.39).
3.    O termo ekklesia foi usado entre os judeus (na Septuaginta) para significar a “congregação de Israel”, conquistada no Sinai, e se reunia na presença do Senhor por ocasião das festividades anuais nas pessoas de seus representantes masculinos (At 7.38).

4.    O uso cristão de ekklesia, adotado pela primeira vez segundo o emprego genil ou judaico, subentendia “reunião”, não “organização” ou “sociedade”. “Localidade era essencial ao seu caráter”.

5.    “A ekklesia local não era reputada como parte de alguma ekkesia de âmbito mundial, o que teria sido uma contradição de termos”.

6.    Quando At 9.31 refere a igreja “por toda a Judeia, Galileia e Samaria não é uma exceção. É uma alusão à dispersão da igreja de Jerusalém (8.1). Seria a Igreja de Jerusalém espalhada de modo a ocupar o território da ´antiga Eclesia que tinha sede na totalidade da terra de Israel`”.

7.    É verdade que podia haver tantas igrejas quantas eram as cidades, ou os lares. O N.T., contudo, reconhece apenas uma ekklesia, e não dá explicação quanto à relação entre a única e as muitas.
A única não era um amálgama (mistura homogênia) ou federação formada pelas muitas. Era uma realidade ´celeste`, pertencente não à forma deste mundo, mas antes, à dimensão da glória da ressurreição onde o Cristo está exaltado à mão direita de Deus (Ef 1.20-23; Hb 2.12; 12.23). Entretanto, visto que a ekklesia local se reunia em nome de Cristo e tinha Ele em seu meio    (Mt 18.20), a mesma prova dos poderes da era vindoura e era a primícia  daquela ekklesia escatológica. Assim é que a igreja local individual é chamada de ´igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue` (At 20.28; cf. 1Co 1.2, 1Pe 5.2; 1Co 12.27). 

(O Novo Dicionário da Bíblia. Junta Editorial Cristã. Vol. II, pg. 736).

         Valeria a pena uma reflexão mais apurada sobre 1Pe 1 – Dispersos.

Anotações a partir do Dicionário Internacional de Teologia
do Novo Testamento. Edições Vida Nova. Vol. II, tópico.


1.    O termo ekklesia deriva-se de ek-kaleõ e era empregado para convocação do exército para reunir-se – de kaleõ – “chamar”.              É atestada a partir do século V a.C., e “significa, no uso da antiguidade, a assembleia popular dos cidadãos efetivos e competentes da polis, “cidade”. Chegou à sua importância máxima no século V a.C., e se reunia em intervalos regulares (em Atenas, cerca de 30-40 vezes por ano, e menos frequentemente noutros lugares) e também, em casos de urgência, como ekklesia extraordinária”.

2.    Sua esfera de competência incluía decisões quanto às sugestões para mudanças na lei (estas seriam referendadas somente pelo concílio dos 400); às nomeações para posições oficiais, envolvendo contratos, tratados, guerra e paz, finanças.

3.    Essas assembleias funcionavam como um tribunal de julgamento, que geralmente pertencia aos tribunais regulares.

4.    A ekklesia abria suas sessões com orações e sacrifícios à divindades da cidade.

5.    Aristóteles, em sua obra Política, informa-nos que era obrigatório o respeito às leis existentes. Cada cidadão tinha o direito de falar e propor assuntos para debate. Entretanto, para que uma proposta fosse debatida, era necessária a opinião de um perito no assunto.
6.    Havia regulamentos severos quanto à participação, aos métodos de convocação da assembleia e ao voto – levantar as mãos, por aclamação ou por folhas de vontantes ou pedras.

7.    O controle da assembleia cabia a um presidente. A partir do século IV a.C., a um colégio de nove.

8.    Conclui-se que ekklesia, séculos antes da tradução da LXX e dos tempos do N.T., “era claramentre caracterizada como fenômeno político, que se repetia conforme certas regras, e dentro de certo arcabouço. Era a assembleia dos cidadãos efetivos, e arraigava-se na constituição democrática, uma assembleia na qual se tomava decisões fundamentais, políticas e judiciais”.

9.    É dessa estrutura da sociedade grega que vem o termo que dá origem à designação Igreja, no Novo Testamento. A partir daí temos uma organização de caráter humano, que se rege por princípios administrativos, jurídicos, sócio-culturais, também políticos. Mas, sobretudo, uma organização divino-humana, que se rege por princípios cristãos – exarados no Novo Testamento.

O que prevalece para a Igreja Cristã é o fato de sua origem em
Jesus Cristo, por ele edificada, como se lê
em Mt 16.18.

Sua condução será marcadamente cristã na medida em que
os seguidores de Jesus Cristo tomarem, em
sua vida diária, a forma do seu fundador.





                                               Recife, 22.02.2015
                                                  Pr. Válter Sales

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O JOIO E O TRIGO



            Crescem juntos, no mesmo campo. Parecem irmãos, mas não são da mesma semente. Joio é joio, trigo é trigo e, assim, demandam a vida inteira (o joio não se faz trigo. Graças a Deus não nascemos joio!). Quem passa e os contempla no campo, talvez os admire por sua harmonia e beleza; é que a estreita semelhança confunde. Nem se dá conta de que eles são semelhantes só na aparência. Iguais? Não. Em verdade são inimigos figadais. Joio é erva daninha, cuja semente afeta os trigais. A verdade de cada um se manifestará pelos frutos. Só na estação da colheita. Agora, ao homem não é dado fazer o corte... O tempo próprio é o tempo de Deus. Qualquer antecipação será precipitada e poderá trazer algumas consequências indesejáveis.
            De aparente boa cepa é o joio visto por fora, pois cresce como o trigo. Posa de trigo, vende a própria ilusão. Só não dá fruto de trigo e, aí, vem à tona a fragilidade da falsa razão de si mesmo. O joio não resistirá no juízo, pois só consegue afirmar-se perante uma consciência altiva. Mas, quando se manifesta,  ele faz estrago grande porque confunde a verdade do trigo. Naturezas díspares não se coadunam. Grotesca é a ilusão de ser sem ser. Não sendo verdadeiro, o joio vive apenas de sua ostentação. Diga-se, por verdade: vida cristã não se nutre com devaneiros...
            Há quem, mesmo não sendo joio, ainda não é trigo maduro. Também confunde, e não deve ser cortado. Há de haver paciência (discernimento e paciência são perfeitamente análogos quando se quer uma averiguação séria). O fruto não vem antes da estação própria, que o diga Davi no Salmo 1o. Não se altera a lei natural sem se comprometer a qualidade do fruto. Amadurecimento a carbureto não atende às exigências da natureza. É assim com a evangélica.
            Se é trigo, sê-lo-á em toda a fase de crescimento. Nesta coerência há a promessa de boa produção. Assim, não causará ilusões, nem desapontamento. Será verdadeiro o tempo todo. Vem de Leon Tolstoi, famoso escritor russo, lúcida conclusão, em seu comentário a “O Reino de Deus está dentro de vós”, incômoda, mas insofismável asserção: “Todos os homens do mundo moderno vivem num contínuo e flagrante antagonismo entre sua consciência e sua maneira de viver”.
            Conquanto muito parecidos, o joio cresce como joio e o trigo cresce como trigo. Transportada esta questão para a vida cristã – e é esse, precisamente, o propósito de Jesus –, podemos compor-nos com Dallas Willard, ao confrontar a vida com a palavra, o discurso religioso, quando pura retórica, intencional e autoafirmativo, personalista e exclusivista, ensimesmado e autossuficiente. Diz esse autor, pastor batista norte-americano, in O Espírito das Disciplinas, pg. 28, aludindo à teologia na prática cristã diária: “Teologia é um termo enfadônio, mas deveria ser um termo do nosso dia a dia. O objetivo da teologia prática é tornar a teologia uma parte normal da vida. Teologia é apenas um meio de pensar e entender, ou não entender, Deus. A teologia prática estuda a maneira pela qual nossas ações interagem com Deus para realizar os propósitos divinos na vida humana”.
            Ainda, aduz Willard, “O fracasso humano consiste em desejar o que é certo e importante, sem se dedicar ao tipo de vida que produz a ação que sabemos ser correta e a condição que queremos experimentar” (p. 20). Certo, na vida cristã, em última análise, é identificar nosso estilo de vida com o estilo de vida do Cristo, nossos propósitos com os seus propósitos, nossos caminhos e pensamentos com os seus caminhos e pensamentos. A estes Deus conhece muito bem (Jr 29.11).  É como precaver-nos do desencontro com o Pai (Is 55.8).
            Há de ser assim, em natural conformidade com Cristo, aquela, altaneira, de que nos fala o Senhor, em João capítulo 15. Há de ser assim, como no-lo ensina Davi, nesse monumental Salmo 1o – o caminhar dos justos é natural, dá o seu fruto na estação própria. Nele, tudo é obra do Criador. Em tudo prospera! É a obra perfeita, consumada, a que se refere Salomão (Pv 4.18).
            Bem haja quem assim o faça, na qualidade e na competência de trigo do Criador. Em qualquer meio ou circunstância, dê frutos onde for plantado.


                                                Recife, 20.02.2015

                                                 Pr. Válter Sales

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

DESCANSAR E ESPERAR


 
            Davi escreveu – e isso se inseriu no Saltério –, princípios que devem nortear nossa vida de filhos de Deus: “Descansa no Senhor e espera nele”         (Sl 37.7a). Não por acaso, neste salmo, uma sequência de atitudes que orientam a relação divino-humana faz essa lógica diretiva, quase sempre presente na peregrinação do povo de Deus. É a vida, pondo-se no devido lugar, sobrepondo-se às circunstâncias, não a elas escrevizando-se.

            A lógica davídica vem nos versos antecedentes. Verso 3 – primeiro, confiar; depois, fazer o bem. Verso 4 – primeiro, agradar-se do Senhor; depois, ver satisfeitos os desejos do coração. Verso 5 – primeiro, entregar e confiar; depois, esperar os feitos do Senhor. É sempre assim no contexto geral da Escritura. Para entrar na Terra Prometida: primeiro, santificar-se; depois, ver as maravilhas do Senhor (Js 3.5). Na palavra profética: Esperar e aguardar (Is 8.17). Neste texto, os verbos estão no tempo futuro, como a indicar que será sempre essa a forma ideal de conduzir a vida.

            O Salmo 37, verso 34, reafirma a esperança, por primeiro e, na sequência, ser exaltado na terra diante dos ímpios. E essa magistral expressão de Davi: “Esperei confiantemente no Senhor; ele se inclinou para mim e me ouviu quando clamei por socorro” (Sl 40.1). Tal expressão tem inspirado eruditos compositores da mais elevada música sacra, daquela que nos enleva a alma e nos eleva às alturas, para a mais refinada adoração. Parece um milagre, Deus se inclinar para nós! Entenda-se: a graça oceânica que o faz descer, também nos faz subir. De qualquer forma, ir a Deus é alçar-se. É a força que advém de se pôr as coisas no devido lugar, em nossa relação com o Altíssimo.

            Jesus não alterou a ordem dessa relação, e Mateus (6.33) registrou: primeiro, Deus; depois, o corriqueiro ordinário da vida. Um ilustrado pregador contemporâneo disse a sua Igreja num retiro de carnaval: “Quando olhamos primeiro para Deus, o segundo olhar é a para a bênção”. Tiago (4.8) também fecha questão: “Chegai-vos para Deus, e ele se chegará para vós”. Parece uma inversão à história da Graça, pois que esta se antecipa, como na assertiva de Paulo – Ele nos amou primeiro, “estando nós mortos em nossos delitos” (Ef 2.4, 5; cf. Rm 5.8), e referendando a tese “barthana” de que “não há caminho do homem para Deus, mas somente caminho de Deus para o homem”.
  
          É a ordem estabelecida. Ordem que não é imposição. É devoção. O olhar primeiro para Deus não nos impõe uma espera enfadonha, desgastante. É um esperar na certeza de que o Senhor é infalível – Ele faz o que diz. É consequente entender que nossa maneira de viver esta vida deve ser um prolongamento da  ação divina. Por vezes, os horizontes podem tornar-se turvos, e tudo é muito sombrio, indefinido, e nos vemos frente a frente com os riscos do existir, afetados por sofrimentos e aparentes fracassos. Mas nada disso será desapontamento último. O agir de Deus em nós faz sentido, mesmo que, a princípio, não o entendamos. A ação de Deus se efetiva no coração do Grande Criador da boa, agradável e perfeita vontade, e se consuma no pleno acolhimento cristão. Foi esse o ensino de Jesus a Pedro (Jo 13.7). No tempo de Deus tudo ficará claro. Saberemos que tudo o que Deus faz em nós e por nós é parte essencial do seu plano, perfeito e objetivo. Podemos, portanto, descansar no Senhor e não estribar-nos em nosso próprio entendimento (Pv 3.5). Importante é não construirmos uma demanda calçada em prerrogativas puramente humanas e expectativas humanamente convencionais... Isso trará paz à vida, contrapondo-se a essa correria neurotizante pelo que é perecível, passageiro, efêmero, hedônico. Se cremos de fato que o Senhor é o Senhor, então, é só descansar Nele, enquanto Nele esperamos. Este é o mais nobre exercício.


                                                                      
                                                           Recife, 16 de Fevereiro de 2015
                                               Pr. Válter Sales

DESCANSAR E ESPERAR


 
            Davi escreveu – e isso se inseriu no Saltério –, princípios que devem nortear nossa vida de filhos de Deus: “Descansa no Senhor e espera nele”         (Sl 37.7a). Não por acaso, neste salmo, uma sequência de atitudes que orientam a relação divino-humana faz essa lógica diretiva, quase sempre presente na peregrinação do povo de Deus. É a vida, pondo-se no devido lugar, sobrepondo-se às circunstâncias, não a elas escrevizando-se.
            A lógica davídica vem nos versos antecedentes. Verso 3 – primeiro, confiar; depois, fazer o bem. Verso 4 – primeiro, agradar-se do Senhor; depois, ver satisfeitos os desejos do coração. Verso 5 – primeiro, entregar e confiar; depois, esperar os feitos do Senhor. É sempre assim no contexto geral da Escritura. Para entrar na Terra Prometida: primeiro, santificar-se; depois, ver as maravilhas do Senhor (Js 3.5). Na palavra profética: Esperar e aguardar (Is 8.17). Neste texto, os verbos estão no tempo futuro, como a indicar que será sempre essa a forma ideal de conduzir a vida.
            O Salmo 37, verso 34, reafirma a esperança, por primeiro e, na sequência, ser exaltado na terra diante dos ímpios. E essa magistral expressão de Davi: “Esperei confiantemente no Senhor; ele se inclinou para mim e me ouviu quando clamei por socorro” (Sl 40.1). Tal expressão tem inspirado eruditos compositores da mais elevada música sacra, daquela que nos enleva a alma e nos eleva às alturas, para a mais refinada adoração. Parece um milagre, Deus se inclinar para nós! Entenda-se: a graça oceânica que o faz descer, também nos faz subir. De qualquer forma, ir a Deus é alçar-se. É a força que advém de se pôr as coisas no devido lugar, em nossa relação com o Altíssimo.
            Jesus não alterou a ordem dessa relação, e Mateus (6.33) registrou: primeiro, Deus; depois, o corriqueiro ordinário da vida. Um ilustrado pregador contemporâneo disse a sua Igreja num retiro de carnaval: “Quando olhamos primeiro para Deus, o segundo olhar é a para a bênção”. Tiago (4.8) também fecha questão: “Chegai-vos para Deus, e ele se chegará para vós”. Parece uma inversão à história da Graça, pois que esta se antecipa, como na assertiva de Paulo – Ele nos amou primeiro, “estando nós mortos em nossos delitos” (Ef 2.4, 5; cf. Rm 5.8), e referendando a tese “barthana” de que “não há caminho do homem para Deus, mas somente caminho de Deus para o homem”.
            É a ordem estabelecida. Ordem que não é imposição. É devoção. O olhar primeiro para Deus não nos impõe uma espera enfadonha, desgastante. É um esperar na certeza de que o Senhor é infalível – Ele faz o que diz. É consequente entender que nossa maneira de viver esta vida deve ser um prolongamento da  ação divina. Por vezes, os horizontes podem tornar-se turvos, e tudo é muito sombrio, indefinido, e nos vemos frente a frente com os riscos do existir, afetados por sofrimentos e aparentes fracassos. Mas nada disso será desapontamento último. O agir de Deus em nós faz sentido, mesmo que, a princípio, não o entendamos. A ação de Deus se efetiva no coração do Grande Criador da boa, agradável e perfeita vontade, e se consuma no pleno acolhimento cristão. Foi esse o ensino de Jesus a Pedro (Jo 13.7). No tempo de Deus tudo ficará claro. Saberemos que tudo o que Deus faz em nós e por nós é parte essencial do seu plano, perfeito e objetivo. Podemos, portanto, descansar no Senhor e não estribar-nos em nosso próprio entendimento (Pv 3.5). Importante é não construirmos uma demanda calçada em prerrogativas puramente humanas e expectativas humanamente convencionais... Isso trará paz à vida, contrapondo-se a essa correria neurotizante pelo que é perecível, passageiro, efêmero, hedônico. Se cremos de fato que o Senhor é o Senhor, então, é só descansar Nele, enquanto Nele esperamos. Este é o mais nobre exercício.


                                                                      
                                                           Recife, 16 de Fevereiro de 2015
                                               Pr. Válter Sales