sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O JOIO E O TRIGO



            Crescem juntos, no mesmo campo. Parecem irmãos, mas não são da mesma semente. Joio é joio, trigo é trigo e, assim, demandam a vida inteira (o joio não se faz trigo. Graças a Deus não nascemos joio!). Quem passa e os contempla no campo, talvez os admire por sua harmonia e beleza; é que a estreita semelhança confunde. Nem se dá conta de que eles são semelhantes só na aparência. Iguais? Não. Em verdade são inimigos figadais. Joio é erva daninha, cuja semente afeta os trigais. A verdade de cada um se manifestará pelos frutos. Só na estação da colheita. Agora, ao homem não é dado fazer o corte... O tempo próprio é o tempo de Deus. Qualquer antecipação será precipitada e poderá trazer algumas consequências indesejáveis.
            De aparente boa cepa é o joio visto por fora, pois cresce como o trigo. Posa de trigo, vende a própria ilusão. Só não dá fruto de trigo e, aí, vem à tona a fragilidade da falsa razão de si mesmo. O joio não resistirá no juízo, pois só consegue afirmar-se perante uma consciência altiva. Mas, quando se manifesta,  ele faz estrago grande porque confunde a verdade do trigo. Naturezas díspares não se coadunam. Grotesca é a ilusão de ser sem ser. Não sendo verdadeiro, o joio vive apenas de sua ostentação. Diga-se, por verdade: vida cristã não se nutre com devaneiros...
            Há quem, mesmo não sendo joio, ainda não é trigo maduro. Também confunde, e não deve ser cortado. Há de haver paciência (discernimento e paciência são perfeitamente análogos quando se quer uma averiguação séria). O fruto não vem antes da estação própria, que o diga Davi no Salmo 1o. Não se altera a lei natural sem se comprometer a qualidade do fruto. Amadurecimento a carbureto não atende às exigências da natureza. É assim com a evangélica.
            Se é trigo, sê-lo-á em toda a fase de crescimento. Nesta coerência há a promessa de boa produção. Assim, não causará ilusões, nem desapontamento. Será verdadeiro o tempo todo. Vem de Leon Tolstoi, famoso escritor russo, lúcida conclusão, em seu comentário a “O Reino de Deus está dentro de vós”, incômoda, mas insofismável asserção: “Todos os homens do mundo moderno vivem num contínuo e flagrante antagonismo entre sua consciência e sua maneira de viver”.
            Conquanto muito parecidos, o joio cresce como joio e o trigo cresce como trigo. Transportada esta questão para a vida cristã – e é esse, precisamente, o propósito de Jesus –, podemos compor-nos com Dallas Willard, ao confrontar a vida com a palavra, o discurso religioso, quando pura retórica, intencional e autoafirmativo, personalista e exclusivista, ensimesmado e autossuficiente. Diz esse autor, pastor batista norte-americano, in O Espírito das Disciplinas, pg. 28, aludindo à teologia na prática cristã diária: “Teologia é um termo enfadônio, mas deveria ser um termo do nosso dia a dia. O objetivo da teologia prática é tornar a teologia uma parte normal da vida. Teologia é apenas um meio de pensar e entender, ou não entender, Deus. A teologia prática estuda a maneira pela qual nossas ações interagem com Deus para realizar os propósitos divinos na vida humana”.
            Ainda, aduz Willard, “O fracasso humano consiste em desejar o que é certo e importante, sem se dedicar ao tipo de vida que produz a ação que sabemos ser correta e a condição que queremos experimentar” (p. 20). Certo, na vida cristã, em última análise, é identificar nosso estilo de vida com o estilo de vida do Cristo, nossos propósitos com os seus propósitos, nossos caminhos e pensamentos com os seus caminhos e pensamentos. A estes Deus conhece muito bem (Jr 29.11).  É como precaver-nos do desencontro com o Pai (Is 55.8).
            Há de ser assim, em natural conformidade com Cristo, aquela, altaneira, de que nos fala o Senhor, em João capítulo 15. Há de ser assim, como no-lo ensina Davi, nesse monumental Salmo 1o – o caminhar dos justos é natural, dá o seu fruto na estação própria. Nele, tudo é obra do Criador. Em tudo prospera! É a obra perfeita, consumada, a que se refere Salomão (Pv 4.18).
            Bem haja quem assim o faça, na qualidade e na competência de trigo do Criador. Em qualquer meio ou circunstância, dê frutos onde for plantado.


                                                Recife, 20.02.2015

                                                 Pr. Válter Sales

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