Davi escreveu – e isso se inseriu no Saltério –,
princípios que devem nortear nossa vida de filhos de Deus: “Descansa no Senhor
e espera nele” (Sl 37.7a). Não
por acaso, neste salmo, uma sequência de atitudes que orientam
a relação divino-humana faz essa lógica diretiva, quase sempre presente na
peregrinação do povo de Deus. É a vida, pondo-se no devido lugar, sobrepondo-se
às circunstâncias, não a elas escrevizando-se.
A lógica davídica vem nos versos antecedentes. Verso 3 –
primeiro, confiar; depois, fazer o bem. Verso 4 – primeiro, agradar-se do
Senhor; depois, ver satisfeitos os desejos do coração. Verso 5 – primeiro,
entregar e confiar; depois, esperar os feitos do Senhor. É sempre assim no
contexto geral da Escritura. Para entrar na Terra Prometida: primeiro,
santificar-se; depois, ver as maravilhas do Senhor (Js 3.5). Na palavra
profética: Esperar e aguardar (Is 8.17). Neste texto, os verbos estão no tempo
futuro, como a indicar que será sempre essa a forma ideal de conduzir a vida.
O Salmo 37, verso 34, reafirma a esperança, por primeiro
e, na sequência, ser exaltado na terra diante dos ímpios. E essa magistral
expressão de Davi: “Esperei confiantemente no Senhor; ele se inclinou para mim
e me ouviu quando clamei por socorro” (Sl 40.1). Tal expressão tem inspirado
eruditos compositores da mais elevada música sacra, daquela que nos enleva a
alma e nos eleva às alturas, para a mais refinada adoração. Parece um milagre,
Deus se inclinar para nós! Entenda-se: a graça oceânica que o faz descer,
também nos faz subir. De qualquer forma, ir a Deus é alçar-se. É a força que
advém de se pôr as coisas no devido lugar, em nossa relação com o Altíssimo.
Jesus não alterou a ordem dessa relação, e Mateus (6.33)
registrou: primeiro, Deus; depois, o corriqueiro ordinário da vida. Um
ilustrado pregador contemporâneo disse a sua Igreja num retiro de carnaval:
“Quando olhamos primeiro para Deus, o segundo olhar é a para a bênção”. Tiago
(4.8) também fecha questão: “Chegai-vos para Deus, e ele se chegará para vós”. Parece
uma inversão à história da Graça, pois que esta se antecipa, como na assertiva
de Paulo – Ele nos amou primeiro, “estando nós mortos em nossos delitos” (Ef
2.4, 5; cf. Rm 5.8), e referendando a tese “barthana” de que “não há caminho do
homem para Deus, mas somente caminho de Deus para o homem”.
É a ordem estabelecida. Ordem que não é imposição. É
devoção. O olhar primeiro para Deus não nos impõe uma espera enfadonha,
desgastante. É um esperar na certeza de que o Senhor é infalível – Ele faz o
que diz. É consequente entender que nossa maneira de viver esta vida deve ser
um prolongamento da ação divina. Por
vezes, os horizontes podem tornar-se turvos, e tudo é muito sombrio,
indefinido, e nos vemos frente a frente com os riscos do existir, afetados por
sofrimentos e aparentes fracassos. Mas nada disso será desapontamento último. O
agir de Deus em nós faz sentido, mesmo que, a princípio, não o entendamos. A
ação de Deus se efetiva no coração do Grande Criador da boa, agradável e
perfeita vontade, e se consuma no pleno acolhimento cristão. Foi esse o ensino
de Jesus a Pedro (Jo 13.7). No tempo de Deus tudo ficará claro. Saberemos que
tudo o que Deus faz em nós e por nós é parte essencial do seu plano, perfeito e
objetivo. Podemos, portanto, descansar no Senhor e não estribar-nos em nosso
próprio entendimento (Pv 3.5). Importante é não construirmos uma demanda
calçada em prerrogativas puramente humanas e expectativas humanamente
convencionais... Isso trará paz à vida, contrapondo-se a essa correria
neurotizante pelo que é perecível, passageiro, efêmero, hedônico. Se cremos de
fato que o Senhor é o Senhor, então, é só descansar Nele, enquanto Nele
esperamos. Este é o mais nobre exercício.
Recife, 16
de Fevereiro de 2015
Pr.
Válter Sales
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