1. O Salmo 88 é o mais triste dentre os Salmos do Saltério.
2. Há uma descrição de calamidades com que o salmista se defronta (1-9). É precedida de uma prece tocante ao Senhor (1,2), já uma afirmação de fé.
a) A alma do salmista está farta de males (3).
b) Sua vida está beirando a morte (4).
c) Homem sem força, contado entre os mortos, vida deslembrada porque já não “existia”...; arremessada aos lugares tenebrosos, os abismos impenetráveis (4-6).
d) Sob o peso da ira divina. A sensação é a de ser abatido por ondas imensas, gigantescas, invencíveis (7).
e) Sensação de isolamento; feito objeto de abominação para seus conhecidos; como numa prisão indevassável, sem chance de sair (8)
f) Olhos desfalecidos pela aflição, mesmo em meio a clamores diários e mãos levantadas ao Senhor (9).
3. A situação de crise representa uma ameaça à vida do salmista (10-13). Suscita sérias dúvidas em sua mente.
a) Há, porventura, prodígios aos mortos, ou louvor nos lábios dos finados; porventura se levantarão para louvar? (10).
b) Faz sentido falar-se de bondade na sepultura ou fidelidade nos abismos? Outra forma de questionar: misericórdia e socorro, se já não há vida? (11). Era assim, num estado de prostração irreversível e absoluta, que o salmista jazia.
c) Há possibilidade de manifestação de maravilhas em densas trevas, e justiça, numa terra onde predominava o esquecimento? (12).
d) O salmista recobra a consciência e se antecipa a cada manhã, clamando ao Senhor (13). Há sempre uma via de esperança para quem confia no Senhor (Cf. Hb 11.1).
4. O salmista expressa sua consternação frente aos acontecimentos de sua existência (14-18).
a) Consterna a sensação de rejeição da alma pelo Senhor; o não ver o rosto santo (14). Estado de alma conturbado por esse sentimento.
b) Intensa aflição parece levá-lo ao fim (...), e isto vem de longe, desde moço, como se já não recordasse as bênçãos do passado... Desorientado, vê tudo como pesado terror (15).
c) Sente-se finado sob as iras e os terrores do Senhor, que o rodeiam como águas contínuas, circundantes (16, 17).
d) Novamente a figura da solidão – tudo parece imergir em densas trevas (18). É como que privado de uma visão clara de vida e de mundo...
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REFLEXÕES
1. A vida, por vezes, parece precipitar-nos num abismo profundo, e já não há mais cânticos alegres em nossos lábios, exultação em nossa alma (Ver Salmo 137).
2. As calamidades que desfilam, sobranceiras, ante os nossos olhos e, hoje, parecem tornar-se uma rotina, geram desapontamentos em nossa alma, trazendo a sensação de que tudo acabou: a alegria virou tristeza, a luz se fez trevas, as companhias se foram, a paz converteu-se em aflição, a esperança diluiu-se, a vida descambou na morte.
3. Mais que essas diluições existenciais; mais que a sensação niilista (espírito destrutivo em relação ao mundo e a si próprio) de que somos tomados; mais que a degeneração de sonhos, aspirações, coragem para utilizar a vontade como garantia de uma conduta coerente com a elevação do espírito, o refinamento do espírito; pesa sobre nós, humanos, pequenos, a sensação de abandono pelo próprio Deus – o Deus da nossa vida!
4. É aí que, muitas vezes, falar-se de grandeza, de elevação espiritual, de paz, harmonia, benquerença, de decência e honradez, parece não fazer sentido. Esses desapontamentos afetaram o rei Davi, derramados que foram, por exemplo, nos Salmos 37 e 73, e igualmente nos afetam, a nós, hoje, que vivemos as circunstâncias e as vicissitudes naturais da vida. Similitudes humanas perpassam todas as gerações.
5. Somos igualmente afetados pelo simples fato de sermos humanos. “Eu sou homem e nada do que é humano me é indiferente” (“Homo sum, et nihil humani a me alienum puto”) – Terêncio, poeta latino.
6. Mas mesmo neste Salmo 88 – um extravasamento de queixumes, de lamúrias –, do mais recôndito da alma crente, deixa-se escapar um fio de esperança.
· Verso 1 – “Ó Senhor, Deus da minha salvação, dia e noite clamo diante
de ti”. Enquanto pudermos afirmar que o Senhor é o Deus da
nossa salvação, afirmar-se-á a salvação, porque Deus é
imutável.
· Verso 2 – “Chegue à tua presença a minha oração...” Também se
afirma que Deus se inclina para nos ouvir – é um gesto de
sua misericórdia.
· Verso 9 – Mesmo em meio a circunstâncias adversas, há sempre a
possibilidade de clamores diários e levantamento de mãos
perante o Senhor.
· Verso 13 – “Mas eu, Senhor, clamo a ti por socorro, e antemanhã já se
antecipa diante de ti a minha oração”.
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7. Nada há neste mundo, e nesta vida, que nos possa separar do amor de Deus, afirma, enfático, o Apóstolo Paulo (Rm 8.31-39).
8. Outro salmista, Davi (Salmo 139) – numa solene e eloquente alusão à inseparabilidade de Deus do seu povo:
· Verso 1 – Ele nos sonda e nos conhece.
· Verso 2 – Ele vê quando nos assentamos e nos levantamos (segue os
nossos movimentos) e de longe penetra o nosso pensamento.
· Verso 3 – Esquadrinha (vê) o nosso deitar, nosso levantar e conhece os
nossos caminhos.
· Verso 4 – Conhece as nossas palavras, antes mesmo de serem por nós
· articuladas.
· Verso 5 – Cerca-nos por inteiro e nos cobre com sua mão.
· Versos 7-12 – Contempla-nos onde estivermos.
· Versos 15, 16 – Viu-nos quando nem éramos... (informes).
· Versos 23, 24 – Uma oração que todos deveríamos sempre fazer:
Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno.
É absolutamente certo que com esses recursos todas as tensões da vida podem ser satisfatoriamente superadas.
“A minha graça te basta...” (2Co 12.9a)
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