sábado, 1 de outubro de 2011

O QUE A GRAÇA NÃO FAZ


          Há uma “dissolução da graça” acusada por Judas, autor da epístola que leva este nome. Está no verso 4, do único capítulo que a compõe. Quem eram esses dissolutos da graça? E com que figuras Judas os descreve? As figuras, vemo-las nos versos 8, 12 e 13.
          Eram como “sonhadores alucinados” (8); “rochas submersas em festas de fraternidade (denotam orgulho, ganância e rebelião, resumo de ímpias iniqüidades); pastores que apascentam a si mesmos; nuvens sem água impelidas pelos ventos; árvores desprovidas de frutos, mortas, desarraigadas; ondas do mar que espumam suas próprias sujidades; estrelas errantes destinadas às trevas para sempre” (12,13). Em resumo: pura nulidade.
          A des-graça está em não apenas viver e agir fora da graça, mas, de igual modo, abaixo da graça ou contrapondo-se à graça, em não levá-la em consideração ou subvertê-la para atender a uma convenção pessoal, que pode indicar conduta indigna.
          A des-graça está em justificar-se na graça enquanto se age mal. Isso é dissolução da graça, diz Judas. A carta foi escrita justamente para combater certa tendência gnóstica incipiente, que cultivava o “espiritual”, enquanto deixava a matéria viver como quisesse.
          Em síntese: em nome da graça dava-se vazão à carne, isto é, poderiam viver de qualquer jeito. Estavam “cobertos” pela graça... Sua vida espiritual não sofreria dano qualquer, pois a graça a cobriria de todo. Algo parecido com as indulgências “salvadoras”, vendidas no Século XVI – cobririam os pecados do passado, do presente e do futuro... Em decorrência desse desvio “eram culpados de todo tipo de iniqüidade”.
          É esta uma questão reservada aos cristãos do 1º Século? Certamente não. Hoje, de igual modo, há quem viva uma como pasmaceira espiritual, isto é, não cultiva sua vida cristã, pela leitura da Palavra de Deus, pela oração e pelo testemunho da fé. O resultado é uma geração de crentes fragilizados, impotentes, incapazes de dar conseqüência à causa do Evangelho.
          Aqui lembramos a advertência de Paulo, em Gl 2.21 – “Não anulo a graça de Deus...” (significa: não a “ponho de lado”). A vida que foi redimida pela graça não pode anular, por um comportamento desvirtuado, essa mesma graça. Aqui também lembramos o grande teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, com sua tese de uma graça que não é de graça, não é barata... Custou-lhe morrer enforcado pelo nazismo. Custou ao Filho de Deus morrer numa ignominiosa cruz.
          O que não pode a graça superabundante de Deus? (Rm 5.20). É verdade inarredável que ela tudo pode. Mas nada pode, se não for devidamente aplicada ao viver diário dos filhos de Deus. Ela não nos libera para vivermos dissolutamente (Lc 15.13), confiando numa possível inalterabilidde de nossa condição de “filhos”. Assim teria pensado o filho pródigo? – “já não sou digno...” (19).
          A graça fora da vida não é graça. É dissolução.

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