quinta-feira, 19 de novembro de 2015

IMAGO DEI – O homem à imagem de Deus




1.    Gn 1.26 – “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”. Imagem, termo reafirmado no verso 27. Cf. 9.6.

2.    Imagem e Semelhança perfazem o sentido abrangente de Cognição, no que concerne a “semelhança ou representação do objeto”? Ocorre, todavia, que Deus é informe, é espírito, é infinito. Estes termos não coadunam, por exemplo, com “imagem”, em que há delimitação.

3.    Comentário da Bíblia Shedd – “Imagem de Deus significa ser dotado das faculdades de raciocinar, de expressar emoções e de agir voluntariamente. (...) capacidade que o homem tem de manter íntima comunhão com o seu Criador”. Amar (exemplo maior).

4.    Ressalta-se a natureza do homem, como sua relação com Deus. Realce, ainda, para “a distinção fundamental entre o homem e os animais”. Porém, há a ressalva de que “o homem não tem a mesma posição que Deus, mas antes, depende d´Ele, e só existe por causa de Sua vontade”, (NCB, Vol. II, p. 740). Acresce-se: “Por causa do pecado de Adão essa imagem ficou desfocalizada, pelo que não é claramente percebida em seus filhos      (Gn 5.3). À criação (Gn 2) segue-se a queda (Gn 3). E toda contraposição ao Criador está aí delineada.

5.    Controvérsias:

a)    Agnosticismo – Gr. “a” (não) e ginosko (conhecer) – termo cunhado por T. H. Huxley (1869), para exprimir a ideia de “crença suspensa”, refere qualquer proposição para a qual “não há provas suficientes para ser crida”. Se não é possível provar a própria existência de Deus, como arguir em favor da semelhança do homem com Ele?

b)    monumentais diferenças qualitativas entre Deus e o homem. A rigor, os atributos do homem não se comparam com os atributos de Deus. Exemplos: Santidade, pureza, eternidade, amor, natureza, entre outros.


c)    A essas diferenças, apõem-se certos argumentos com algum respaldo lógico, à primeira vista. 1) Os Agnósticos não negam evidências pró ou contra Deus. Contudo, afirmam que essas evidências não são suficientes para provar ou negar a existência de Deus. 2) O Positivismo lógico afirma não haver provas positivas ou negativas – tudo está acima de nosso conhecimento, que só pode envolver coisas detectadas pela percepção dos sentidos, e não possuímos órgãos capazes de detectar Deus. 3) O Teísmo afirma que “o conhecimento de Deus é possível e que as evidências são positivas. Deus existe”. Ao Teísmo opõe-se o Deísmo, com sua teoria de um “deus” deslembrado (letra e).

d)    Já o Gnosticismo (Gr. Gignoskein “saber”) era seletivo em nominar seres humanos em três categorias: hílicos (materialistas), sempre presos à matéria, sujeitos ao mal e às astúcias de Satanás; psíquicos  (meio-espirituais), sujeitos a uma redenção inferior, por meio da fé; e pneumáticos (espirituais), dignos da redenção completa, que consistia na reabsorção no ser divino. O hipercalvinismo caiu nessa armadilha... Claro que há a contraposição de textos como 1Tm 2.1-5 à heresia gnóstica de que considerável parcela dos homens não será salva.

e)    O Deísmo – há um ser supremo, mas desinteressado pela sua criação. Não interfere na história humana. Não pune nem recompensa.

f)        O Docetismo – (ideias absorvidas pelos gnósticos) – A palavra “docetismo” ou “docéticos”, derivada do termo grego dokéo, significa “parecer”. A encarnação foi apenas aparente, teatral, fantasmagórica.  A ser real, o próprio Deus se corromperia na carne. O contraditório aparece em textos como 1Jo 4.2,3 e Cl 2.9 – um libelo contra o “baixo ponto de vista dos gnósticos sobre a ´natureza` de Cristo”.

g)    De acordo com a teologia de Paulo, Cristo possui “toda a plenitude” de Deus – sua “pleroma” (sf, neste caso). Para os gnósticos, o “aeon” (Espírito-Cristo) possuia apenas partículas dessa plenitude ou pleroma (a natureza de Deus e os seus atributos).

A maioria dos gnósticos aceitava alguma forma de docetismo, isto é, o conceito de que Cristo não foi um homem real, que sua vida humana foi apenas um papel teatral, que sua morte e sofrimentos foram aparentes, e não reais, e que o verdadeiro Cristo é uma personalidade angelical. Contra essas crenças é que foi escrita a primeira epístola de João, denunciando àqueles que não aceitavam a humanidade autêntica de Jesus Cristo. “Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus, não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem, e presentemente já está no mundo... aquele que confessa o Filho, tem igualmente o Pai” (1Jo 4.2,3 e 2.23). (Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia, Vol. 2, p. 921).

6.     Deus-Cristo-Jesus-Homem

a)    O texto de Mt 11.28-30 é emblemático, nesta discussão, ao lado da encantadora teologia de João, 1.1,14; 10.22ss. O “Vinde a mim” enquadra-se na categoria do “Eu e o Pai somos um”. Aos que quedavam-se, inquietos, sob enorme desapontamento por não saber como encontrar Deus, Cristo se apresenta.

b)    Uma oportuna asseveração ali se fez. Diante de argumentos gnósticos de que Deus e o homem não podem encontrar-se, por suas diferenças qualitativas, Jesus Cristo se apresenta com uma clareza que não deixa dúvida: – “Como Deus e o homem não podem encontrar-se? Eu sou Deus e sou homem. Em mim encontram-se as duas naturezas”.

c)    A promessa de restauração da natureza caída, pela desobediência  humana, aparece no mesmo relato da queda (Gn 3.15). Toda ação do Criador divino, no desdobrar-se da História Sagrada, converge para esse alvo: a restauração do homem. E toda ela aponta para Cristo.

d)    O Novo Testamento enfoca, sobretudo, a teologia do Apóstolo Paulo – Correlação, Conformidade – com o Cristo-Imagem.

a)    O vocábulo usado no N.T. é eikõn = “semelhança derivada”.
b)    Em vários lugares a palavra é usada em sentido teológico, aludindo à “revelação proporcionada por meio de Jesus Cristo, ´a imagem do Deus invisível`” (2Co 4.4; Cl 1.15; sobre a renovação do homem conforme à imagem de Cristo (Rm 8.29) por meio da regeneração para a vida inteira (2Co 3.18; Co 3.10); e sobre a glorificação por meio da ressurreição, que é a coroa desse processo de renovação (1Co 15.49; cf. Fp 3.21)” – (NDB, Vol II, p. 740).
c)    Vê-se claramente na doutrina paulina o propósito de restaurar a “imagem”, numa “semelhança” de estilo de vida, isto é, a vida humana, agora restaurada, assemelhando-se à vida do Cristo (recomenda Paulo, em 1Co 11.1) pela imitação. Esse deve ser o propósito mais elevado da encarnação. O homem não pode, por si próprio, chegar a Deus (Karl Barth diria: “Não há caminho do homem para Deus, há somente caminho de Deus para o homem”); Deus, então, se faz “caminho”, em Jesus (Jo 14.6).
d)    Por “caminho”, aqui, deve-se entender, mais que uma “vereda”, um posicionamento de nossa vida em relação ao modelo Jesus Cristo. Modo de caminhar é, portanto, modo de ser.
e)    Restauração, da imagem, é palavra-chave, em Paulo e em Cristo.

A UNIÃO MÍSTICA DO CRENTE COM CRISTO
(IMAGO DEI, de Paulo Anglada. Knox Publicações, 2013. Pgs. 259ss)


1)    A união com Cristo é obra do Espírito Santo e está implícita em expressões como: em Cristo, no Amado, nele, no qual, todas com referência a Cristo (Ef 1.3ss).

2)    Quanto à natureza dessa união: “Não é uma união de essência, como entre as pessoas da Trindade. Não é uma união de personalidades; não há confusão entre a nossa pessoa e a pessoa de Cristo. Por outro lado, também não é mera união de pensamentos, sentimentos e propósitos, como entre membros de uma sociedade. É, sim, uma união espiritual, vital, mística (naturalmente incompreensível, mas revelada na Bíblia), orgânica, fundamental, indissolúvel, pessoal e tranformadora”.

3)    A união com Cristo é definida por esse autor como obra salvífica que Deus determinou na eternidade, que é realizada por Cristo e é implementada pelo Espírito Santo, que é o elo dessa união.

4)    Nesse processo, “os gerenerados e convertidos são espiritual, vital, misteriosa e indissoluvelmente unidos a Cristo e, consequentemente, com os demais membros do seu corpo, com os quais compartilham os sofrimentos, a morte, a ressurreição, a glória e a vida espiritual em Cristo”.

5)    Anglada cita Morton H. Smith em sua Systematic Theology, que observa: “De alguma maneira misteriosa que ultrapassa o nosso entendimento e a nossa capacidade para demonstrar, Cristo habita nos crentes e os crentes em Cristo... há uma qualidade misteriosa de relacionamento que transcende qualquer mera união de sentimento, convicção ou propósito, colocando os crentes em Cristo e Cristo nos crentes”. A “expressa imagem do Deus invisível” habita no crente.

6)    Há dois aspectos: um legal, que envolve a cumplicidade da morte e da vida (Adão e Cristo – 1Co 15.21,22; Rm 5.17-21); e um espiritual, que refere a habitação do Espírito Santo no crente (1Co 12.12, 13). Também os textos de 1Co 6.15, 17, 19 e 1Jo 3.24; 4.13.

7)    Esse fundamento é ilustrado com algumas metáforas, como: as pedras ou tijolos de uma casa; uma árvore e seus ramos; a cabeça e os membros de um corpo; um marido e sua esposa; o Pai e o Filho (na condição de Mediador).

O HOMEM NO ESTADO DE GRAÇA
(Restauração da IMAGO DEI – Pgs. 279ss)

1.    Paulo Anglada começa este tópico com uma declaração conclusiva: “Assim como a queda afetou toda a imago Dei no homem em estado de pecado, assim também a regeneração se reflete de forma integral, restaurando-a progressivamente no homem em estado de graça”. Cita Thomas Boston, que afirma ser a regeneração “uma transformação universal”, em que todas as coisas se fazem novas (2Co 5.17). Acresce que se trata de “um abençoado fermento, que leveda a massa inteira... o pecado original infecta o homem inteiro, e a graça regeneradora, que é a cura, vai até onde vai a enfermidade”.

2.    A restauração da imagem de Deus não é restabelecida no homem de maneira imediata nem absoluta. Ocorrerá, plena, na ressurreição do corpo. Nesta vida, a restauração da imago Dei “é apenas uma transformação imperfeita”. Não há um aspecto da vida perfeitamente renovado. Essa renovação “é progressiva e real, no que diz respeito a todos os aspectos: ontológico, moral e funcional”.

3.    O que acontece no homem? Todas as áreas foram afetadas pelo pecado. Igualmente, todas as áreas são restauradas pela regeneração, conversão e santificação. Seu aperfeiçoamento se dará na glorificação.

4.    A restauração da imago Dei – como se manifesta no novo homem:

1)    Imago Dei Ontológica:
– Imaterial: na mente (razão, sentimentos e vontade), no coração e   
   na consciência.
– Material: no corpo.
2)    Imago Dei Espiritual e Moral: piedade e integridade.
3)    Imago Dei Funcional:
– Na família
– Na igreja
– Na sociedade
– Na criação.

5.    Passagens bíblicas relacionadas ao assunto: Rm 8.29; 2Co 3.18;        Cl 3.9, 10; Ef 4.22-24. Na imitação de Cristo (Ef 5.1; 1Co 11.1). No amor abnegado (Ef 5.2). Na humildade e obediência à vontade de Deus (Fp 2.5-9). Vale dizer que, nesse processo, toda ação é do Espírito Santo. O homem é passivo. Sua atividade se dá na conversão e na santificação, que ocorre na imitação de Cristo.

6.    O autor, Paulo Anglada, fecha estas considerações apontando para a natureza escatológica da imago Dei – “ela só se consumará no estado de glória quando, refeitos à imagem de Cristo, teremos um corpo semelhante ao seu corpo glorioso e refletiremos a sua glória. O contraste é entre a nossa manifesta e presente condição decaída, em Adão, e a nossa condição escatológica gloriosa, em Cristo, ainda por ser manifestada, por ocasião da sua segunda vinda”. p. 282

7.    Champlin – “à nossa imagem” – Os animais foram criados “conforme a sua espécie”. O homem foi criado “conforme a espécie de Deus” (sua natureza). Isto envolve a participação humana na natureza divina. A imagem (heb. Selem) alude à imagem mental, moral e espiritual de Deus. Atributos divinos, como veracidade, sabedoria, amor, santidade e justiça serão compartilhados pelos salvos, de forma particial, mas real. (O Antigo Testamento Interpretado. Vol. 1, pgs. 15, 16)



                                               Obs.: Anotações feitas pelo Pr. Válter Sales.
                                                       Adaptações para estudo em sala de aula. 
                                              

                                                                 Recife, 19.11.2015

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