quinta-feira, 21 de maio de 2015

O ENCONTRO COM DEUS: Uma via de Mão Dupla




                Em artigo recente, que atende mais ao prazer de escrever, que, propriamente, à consciência de estar produzindo algo relevante, eu disse que crer em Deus é também uma questão de vontade humana. Precisamente isto: Crer, a esta ótica, requer as disposições interiores do coração, e a expressão daquele que crê – confessar. É a coragem de dizer aos quatro cantos: Eu creio! O fechamento da questão vem das palavras de Jesus: “... todo aquele que nele crê tem a vida eterna” (Jo 3.16) e “Todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus” (Mt 10.32).       Se, por um lado, fé resulta da graça de Deus, por outro, a vontade humana é  condicionante da fé. A fé cristã não é impositiva. Mais que isto: imposição é uma contraposição à natureza da fé. Daí sua ampla consideração bíblica em confronto flagrante com qualquer determinismo. Imperativo mesmo é o ato voluntário de crer.
Crer é uma via de mão dupla. Uma via que traz Deus ao ser humano, outra via que leva o ser humano a Deus. Crer, portanto, é um encontro divino-humano.      O que aqui se pretende é privilegiar o aspecto pessoal na relação com Deus, sem descurar qualquer outro arrazoado. Deus e o homem agem juntos. Isto é Graça!   
Há, decerto, nestas considerações, uma recorrência às reservas da mente, do que ouvi nos tempos de minha juventude, de algum pregador evangelista:      “O Deus que me fez sem eu querer, não me salvará se eu não quiser”. Agora, confesso, com certo alívio, não me sentir um solitário pensante naquilo que, de ordinário, não se diz, não por reserva ideológica ou precaução ocasional, mas pelo simples fato de que nos tornamos comodamente repetitivos e, assim, quase nunca ousados... Nada a obstar: a cautela convém aos que trabalham com ideias.  

            Valham-me o brilho, a unção e a lógica de Brennan Manning, em seu livro  Souvenirs of Solitude (Convite à Solitude). Traduzido por Fabiano Medeiros. Obra recente, entre nós, lançada pela Editora Mundo Cristão em 2010, 1a reimpressão em 2012, 190 p. Copyright de 1982, publicada originalmente por Nav Press, Colorado, EUA. A obra traz, após cada capítulo, orações em forma de poesia, de Sue Garmon. Ensevo e inspiração somam-se em sua leitura.

            O autor recorre a memoráveis quadros bíblicos, como a parábola do grão de mostarda ou parábola da semente (Mc 4.26-33), e, ainda, a autores renomados dos mundos religioso e artístico.

            Começa por referir uma pergunta pungente de um jovem judeu, convertido, e preocupado com a própria santidade. Depois de uma longa espera e muita oração, dirigiu-se ele ao monge trapista, psiquiatra mundialmente conhecido e também judeu cristão, Raphael Simon. Convencido de que “não posso desperdiçar seu tempo com abstrações e generalidades”, sem rodeios, cravou:
– “Tenho somente uma pergunta: Como posso me tornar santo?”
            – “Queira sê-lo!” – foi a resposta, a um tempo lacônica e completa, de Simon, após apertar os olhos, inclinar-se sobre a mesa e tomar as mãos do jovem amigo. Findou-se a entrevista.

            De uma lenda de Horatio Alger, sobre a própria diligência e disciplina espiritual do “faça você mesmo”, extraímos algumas considerações que ilustram o propósito deste texto. “Ciente de que Deus toma a iniciativa e de que por sua  graça somos salvos, estou agora trabalhando com a sinceridade, a seriedade e a ferocidade da minha determinação em corresponder a sua graça salvadora”. Acresce, à luz de Jo 15.5 – “... sem mim nada podeis fazer” –, que, “sem minha cooperação, ele pode não fazer nada”. Creio que não se trata de uma teologia de um Deus incapaz, mas de que a vontade humana é parte do processo salvífico, bem como do crescimento espiritual. Não há uma vicinal para esta via.

Creio, por conseguinte, não ser difícil de entender, que Cristo não nos santifica sem a nossa vontade. Manning declara textualmente: “Creio que ele me dará ao final exatamente aquilo que eu escolher e creio que as tendências e desejos implícitos em minhas escolhas serão meus, irremediavelmente”. Não há negar que a oração constante e a prática diária da virtude cristã exigem nossa participação ativa. Implicam o muito querer. Como indicou Simon: “Queira sê-lo!”.

Martha Graham foi uma bailarina famosa. Disse, numa perspectiva diferente, acerca do viver pela prática da vida, o que aqui extraio, como parte de uma citação sua feita por Manning: “Em cada um dos casos, é a execução dedicada de uma série de atos precisos, físicos ou intelectuais, dos quais nasce a forma da realização, o senso de que alguém é o que é, uma satisfação do espírito. (...) Praticar significa executar, repetidas vezes, em face de todos os obstáculos, algum ato de visão, fé e desejo. A prática é um meio para convidar a perfeição desejada”. (Grifos pessoais)

Foi dito, acima, que Manning analisou a parábola do Grão de Mostarda, de Mc 4.26-33. Vale aqui reproduzi-la.

O Reino de Deus é semelhante a um homem que lança a semente sobre a terra. Noite e dia, estando ele dormindo ou acordado, a semente germina e cresce, embora ele não saiba como. A terra por si própria produz o grão: primeiro o talo, depois a espiga e, então, o grão cheio na espiga. Logo que o grão fica maduro, o homem lhe passa a foice, porque chegou a colheita.

Novamente ele disse:

Com que compararemos o Reino de Deus? Que parábola usaremos para descrevê-lo? É como um grão de mostarda, que é a menor semente que se planta na terra. No entanto, uma vez plantado, cresce e se torna a maior de todas as hortaliças, com ramos tão grandes que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra.

Jesus, como lhe era característico, com serenidade e soberania, explica, em forma parafraseada por Manning: “O Reino não é o que você esperava – uma intervenção deslumbrante e dramática de uma glória irresistível. Como vê, ele começa muito pequeno, minúsculo como uma semente de mostarda. E precisa de tempo para crescer; por isso, seja paciente”. O Reino de Deus não é para os soberbos, ou enfatuados, que agem a partir das próprias emoções e com a pressa determinada pelas próprias conveniências... O Reino de Deus passa pela coragem de enterrar-se..., como a semente, que é lançada no interior da terra. Reafirmo: Deus e o homem agem juntos. Jesus, no pós-cruz, num túmulo; o homem, como semente que se rende, em adequado solo.

Jesus narra outro episódio-possibilidade: “É como um fazendeiro que planta uma semente e vai embora; mais tarde ela brota”. Se se perguntar a esse fazendeiro o que ele faz após plantar a semente, ele dirá: “Nada! Ela cresce sozinha”. O Reino de Deus cresce por si só. Deus plantou e nada o impedirá de ser colhido. “Nem heresias, nem cismas, erros vergonhosos, defeitos e fracassos morais da igreja; nem se o orçamento estiver em desequilíbrio; nem em casos de perseguições ou hecatombes nucleares – nada obstruirá o estabelecimento do Reino. É uma garantia. O esforço humano é como nada comparado ao plano inexorável de Deus”. Se somos convidados a participar, isso é glória para nós.       É dádiva do Alto. Nenhum mérito nosso. Onde a jactância?, indaga Paulo. Nossa participação será sempre de servos.

Há uma oração de Inácio de Loyola que, hoje, recebe esta tradução: “Trabalhe como se tudo dependesse de você e ore como se tudo dependesse de Deus”. A forma original desta oração dizia: “Trabalhe como se tudo dependesse de Deus e ore como se tudo dependesse de você”.

Manning interpreta as duas formas desta maneira: “O que aconteceria em minha vida se eu trabalhasse como se tudo dependesse de Deus e orasse como se tudo dependesse de mim? Acredito que estaria seguro e livre de preocupações no ministério como nunca antes, sabendo que ele é o Agente primordial como nunca antes, e eu oraria com uma urgência e uma seriedade sem precedentes, pelo fato de ser catapultado e posto em funcionamento pela aceleração do Reino”.

O autor termina seu texto com uma citação de Paulo (2Co 8.12) – “Porque, se há prontidão, a contribuição é aceitável de acordo com aquilo que alguém tem, e não de acordo com o que não tem”.




Obs.: Notas elaboradas a partir do capítulo 9 do livro Convite à Solitude,
                      de Brennan Manning – Uma Parábola Estonteante. São Paulo:
                      Editora Mundo Cristão, 2012. 190 p.
                     Com adaptações e acréscimos.
                     Texto reservado a estudo pessoal.



                                              
                                                           Recife, 21.05.2015

                                                               Válter Sales

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