Ou ainda: Quando os Mortos Falam
É possível a um morto falar? Não estou
falando nem entrando no mérito de encontros espíritas. A Bíblia é muito
clara a esse respeito. Mas, por exemplo: já passou por alguma
experiência de vida na qual você lembrou claramente do exemplo, da fala,
do olhar de alguém que já foi para a eternidade?
Há pessoas que marcaram o mundo pela sua
genialidade. Falamos até hoje de Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant,
Hegel. Há outros que marcaram gerações pelo engajamento. Como não
recordar de Martin Luther King Jr., Gandhi, Mandela, Madre Tereza de
Calcutá? Outros pela coerência de vida como Bonhoefer, John Huss.[1]
O comum a todos estes: eles transcenderam a mesmice. Viveram suas vidas
de modo abnegado. Serviram a ideais e aos seus semelhantes.
Mas falta a lista daqueles que marcaram
pela fé. Que foram o ponto de tangência entre o Eterno, a realidade
supra-sensível e este mundo terreal. De tantos possíveis exemplos, vamos
ficar com o de Abel.
1) QUEM ERA ABEL (Gen.4:1-15; I João 3:12; Mt.23:35; Heb.12:24)
Abel é apresentado como o segundo filho
entre Adão e Eva. Interessante no entanto é que ao longo das páginas
sagradas há mais citações de Abel do que onde ele primeiramente aparece
(Gen.4). Sua vida foi resumida a um culto.
Mas esse ato de adoração disse tanto a respeito dele e de Deus que até
hoje falamos nele, mesmo sendo ele de uma época em que não havia papel,
nem arquivo (diferente de Sócrates). Abel se tornou uma vida que fala
depois de morta.
Ele era pastor de ovelhas. Suas obras
eram boas, não por conta do tipo de sacrifício que ele fez, mas pelo
coração com que ofertou. Não foi o preço em si, mas o valor que ele deu
aquele ato de culto. Esse valor fica patente quando percebemos que Abel
não só traz uma “excelente oferta”, mas também quando percebemos seu
cuidado e preparo para esse momento mostrado no fato de separar “as
primícias”.
Era um cara de paz. O irmão com semblante
transtornado o chama. Ele vendo isso vai encontrá-lo. E ouso dizer que
não ofereceu reação. Foi como ovelha para o matadouro, assim como
aconteceu com o Cordeiro que ele sacrificara.
2) VIDAS DAS QUAIS O MUNDO NÃO É DIGNO SÃO AQUELAS QUE A MORTE NÃO AS CONSEGUE CALAR. (Heb.11:38,4; Gen.4:10)
São vidas que por mais ou menos tempo que vivam deixam um lastro e um rastro.
O rastro que Abel deixou, as pegadas que
formaram um caminho estão ligadas a sua compreensão da natureza humana e
a sua percepção sobre Deus. Certamente que Abel (Deus sim, Abel não)
não tinha ciência ali que o cordeiro seria a figura bíblica para apontar
e simbolizar o sacrifício perfeito (Heb.10) de Jesus. Aquele que anularia a necessidade de QUALQUER outro.
Mas fato é que Abel teve a compreensão da
seriedade do pecado, de sua interposição na relação com Deus e que uma
vida inocente teria de fazer a expiação. Algo tem que ficar entre nós e
Deus. Precisamos de uma mediação, papel esse que Cristo irá personificar
de uma vez por todas (I Tm.2:5; Heb.12:24).
Nesse sentido, antes de qualquer fala explícita sobre a Graça, Abel
aponta para ela, assumindo-se naquele altar como pecador e contando com o
perdão de Deus.
Essa adoração se tornou um paradigma, um
modelo. Sem música. Sem som. Contudo reverberando até a presente data.
Quando adoramos com consciência de que é pela Graça, Deus nos percebe e
“vem em nossa direção”. O autor de Hebreus no final do capítulo doze vai
falar (devido a sua compreensão judaica de Deus) de irmos até o “monte
santo”. Mas Abel é uma prova de que o Senhor vem ao nosso encontro. Isso
porque fé é o entendimento de que Deus está perto e não longe.
Enquanto Caim vai pelas suas más obras (I Jo.3:12; Mt.23:35),
confiando em seu esforço, Abel reconhece sua precariedade e sua
falência espiritual e moral. Quem não crê na necessidade do sangue,
acaba derramando de alguém. Abel foi por isso, justificado. E esse foi
seu lastro, sua herança: a possibilidade da justificação.
3) VIDAS DAS QUAIS O MUNDO NÃO É DIGNO SÃO VIDAS QUE SÃO MAIORES DO QUE A MORTE.
Vidas que são maiores do que a morte são
vidas do tamanho da VIDA. Viver não é pouca coisa. É algo tão bom que
até Jesus agonizou pela vida (Mt.26).
Todos os grandes e bons personagens da História da Humanidade tiveram
em comum um apego a vida. São vidas que valeram a pena serem vividas.
Eram significantes e por isso seu significado ficou impresso na memória
da Humanidade. Foram vidas que parece que faltou o “aviso” de que
acabou. Elas “insistem em continuar”, através da sua obra, do seu
testemunho. Penso aqui agora por exemplo (e buscando uma proximidade
maior) em gente como meu falecido pai, Pr.Mauro Israel, Pr.Xavier, entre outros.
Vidas que são maiores do que a morte são vidas que pela fé e por causa da fé, morreram para um modelo ensimesmado de viver (Mt.16:25).
São vidas que se perderam e foram achadas. Erasmo de Roterdã (Elogio da
Loucura) falava da cruz como símbolo maior desse desapego ao mundo. A
cruz é o atestado da indignidade, na perspectiva humana. Já na divina, a
cruz de Jesus foi o atestado da Sua dignidade. Ele só foi para Cruz
porque era DIGNO. Abel foi um sangue inocente derramado sobre a Terra
pelo seu irmão. Jesus foi o JUSTO de Deus que, sendo inocente, foi morto
pelos “seus irmãos judeus”[2]. O que não dizer do testemunho apostólico e primitivo sobre Dorcas (At.10:38-42)?
Há uma interessante ligação entre aproveitar a vida e ir para o ralo da
História e ser aproveitado pela vida e partir para os anais da mesma.
Vidas que são maiores que a morte são
vidas que apontam para a existência de uma realidade ulterior. Como
explicar racionalmente que exista gente que excedeu seu tempo, sua
geração, há não ser reafirmando pela fé que a vida não se resume a
materialidade? Vidas maiores que a morte mostram que a existência não
pode ser só matéria (circunscrita a ela). E aí chegamos no primado da
fé: a dignidade daqueles que esperam, almejam, visualizam o céu de Deus (Heb.11:13-16). Há uma dignidade na ressurreição!
Vidas maiores que a morte são vidas que por causa da fé, ainda VIVEM! Mas agora na eternidade com Jesus Cristo!
O que esperar da vida? Doe-se. Faça valer a pena. E saiba que seu rastro se transforma a cada dia em lastro para minha alma.
IGREJA BATISTA MARAPENDI
Pr. Sérgio Dusilek
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