domingo, 28 de fevereiro de 2016
A FÉ DAQUELES QUE O MUNDO NÃO ERA DIGNO (HEB.11.38) (Pr. Sérgio Dusilek)
Ou ainda: Quando os Mortos Falam
É possível a um morto falar? Não estou
falando nem entrando no mérito de encontros espíritas. A Bíblia é muito
clara a esse respeito. Mas, por exemplo: já passou por alguma
experiência de vida na qual você lembrou claramente do exemplo, da fala,
do olhar de alguém que já foi para a eternidade?
Há pessoas que marcaram o mundo pela sua
genialidade. Falamos até hoje de Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant,
Hegel. Há outros que marcaram gerações pelo engajamento. Como não
recordar de Martin Luther King Jr., Gandhi, Mandela, Madre Tereza de
Calcutá? Outros pela coerência de vida como Bonhoefer, John Huss.[1]
O comum a todos estes: eles transcenderam a mesmice. Viveram suas vidas
de modo abnegado. Serviram a ideais e aos seus semelhantes.
Mas falta a lista daqueles que marcaram
pela fé. Que foram o ponto de tangência entre o Eterno, a realidade
supra-sensível e este mundo terreal. De tantos possíveis exemplos, vamos
ficar com o de Abel.
1) QUEM ERA ABEL (Gen.4:1-15; I João 3:12; Mt.23:35; Heb.12:24)
Abel é apresentado como o segundo filho
entre Adão e Eva. Interessante no entanto é que ao longo das páginas
sagradas há mais citações de Abel do que onde ele primeiramente aparece
(Gen.4). Sua vida foi resumida a um culto.
Mas esse ato de adoração disse tanto a respeito dele e de Deus que até
hoje falamos nele, mesmo sendo ele de uma época em que não havia papel,
nem arquivo (diferente de Sócrates). Abel se tornou uma vida que fala
depois de morta.
Ele era pastor de ovelhas. Suas obras
eram boas, não por conta do tipo de sacrifício que ele fez, mas pelo
coração com que ofertou. Não foi o preço em si, mas o valor que ele deu
aquele ato de culto. Esse valor fica patente quando percebemos que Abel
não só traz uma “excelente oferta”, mas também quando percebemos seu
cuidado e preparo para esse momento mostrado no fato de separar “as
primícias”.
Era um cara de paz. O irmão com semblante
transtornado o chama. Ele vendo isso vai encontrá-lo. E ouso dizer que
não ofereceu reação. Foi como ovelha para o matadouro, assim como
aconteceu com o Cordeiro que ele sacrificara.
2) VIDAS DAS QUAIS O MUNDO NÃO É DIGNO SÃO AQUELAS QUE A MORTE NÃO AS CONSEGUE CALAR. (Heb.11:38,4; Gen.4:10)
São vidas que por mais ou menos tempo que vivam deixam um lastro e um rastro.
O rastro que Abel deixou, as pegadas que
formaram um caminho estão ligadas a sua compreensão da natureza humana e
a sua percepção sobre Deus. Certamente que Abel (Deus sim, Abel não)
não tinha ciência ali que o cordeiro seria a figura bíblica para apontar
e simbolizar o sacrifício perfeito (Heb.10) de Jesus. Aquele que anularia a necessidade de QUALQUER outro.
Mas fato é que Abel teve a compreensão da
seriedade do pecado, de sua interposição na relação com Deus e que uma
vida inocente teria de fazer a expiação. Algo tem que ficar entre nós e
Deus. Precisamos de uma mediação, papel esse que Cristo irá personificar
de uma vez por todas (I Tm.2:5; Heb.12:24).
Nesse sentido, antes de qualquer fala explícita sobre a Graça, Abel
aponta para ela, assumindo-se naquele altar como pecador e contando com o
perdão de Deus.
Essa adoração se tornou um paradigma, um
modelo. Sem música. Sem som. Contudo reverberando até a presente data.
Quando adoramos com consciência de que é pela Graça, Deus nos percebe e
“vem em nossa direção”. O autor de Hebreus no final do capítulo doze vai
falar (devido a sua compreensão judaica de Deus) de irmos até o “monte
santo”. Mas Abel é uma prova de que o Senhor vem ao nosso encontro. Isso
porque fé é o entendimento de que Deus está perto e não longe.
Enquanto Caim vai pelas suas más obras (I Jo.3:12; Mt.23:35),
confiando em seu esforço, Abel reconhece sua precariedade e sua
falência espiritual e moral. Quem não crê na necessidade do sangue,
acaba derramando de alguém. Abel foi por isso, justificado. E esse foi
seu lastro, sua herança: a possibilidade da justificação.
3) VIDAS DAS QUAIS O MUNDO NÃO É DIGNO SÃO VIDAS QUE SÃO MAIORES DO QUE A MORTE.
Vidas que são maiores do que a morte são
vidas do tamanho da VIDA. Viver não é pouca coisa. É algo tão bom que
até Jesus agonizou pela vida (Mt.26).
Todos os grandes e bons personagens da História da Humanidade tiveram
em comum um apego a vida. São vidas que valeram a pena serem vividas.
Eram significantes e por isso seu significado ficou impresso na memória
da Humanidade. Foram vidas que parece que faltou o “aviso” de que
acabou. Elas “insistem em continuar”, através da sua obra, do seu
testemunho. Penso aqui agora por exemplo (e buscando uma proximidade
maior) em gente como meu falecido pai, Pr.Mauro Israel, Pr.Xavier, entre outros.
Vidas que são maiores do que a morte são vidas que pela fé e por causa da fé, morreram para um modelo ensimesmado de viver (Mt.16:25).
São vidas que se perderam e foram achadas. Erasmo de Roterdã (Elogio da
Loucura) falava da cruz como símbolo maior desse desapego ao mundo. A
cruz é o atestado da indignidade, na perspectiva humana. Já na divina, a
cruz de Jesus foi o atestado da Sua dignidade. Ele só foi para Cruz
porque era DIGNO. Abel foi um sangue inocente derramado sobre a Terra
pelo seu irmão. Jesus foi o JUSTO de Deus que, sendo inocente, foi morto
pelos “seus irmãos judeus”[2]. O que não dizer do testemunho apostólico e primitivo sobre Dorcas (At.10:38-42)?
Há uma interessante ligação entre aproveitar a vida e ir para o ralo da
História e ser aproveitado pela vida e partir para os anais da mesma.
Vidas que são maiores que a morte são
vidas que apontam para a existência de uma realidade ulterior. Como
explicar racionalmente que exista gente que excedeu seu tempo, sua
geração, há não ser reafirmando pela fé que a vida não se resume a
materialidade? Vidas maiores que a morte mostram que a existência não
pode ser só matéria (circunscrita a ela). E aí chegamos no primado da
fé: a dignidade daqueles que esperam, almejam, visualizam o céu de Deus (Heb.11:13-16). Há uma dignidade na ressurreição!
Vidas maiores que a morte são vidas que por causa da fé, ainda VIVEM! Mas agora na eternidade com Jesus Cristo!
O que esperar da vida? Doe-se. Faça valer a pena. E saiba que seu rastro se transforma a cada dia em lastro para minha alma.
IGREJA BATISTA MARAPENDI
Pr. Sérgio Dusilek
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
ORAÇÃO NO SILÊNCIO DA ALMA
A oração de Ana, mãe do Profeta Samuel (1Sm 1.9-17), é um
dos quadros bíblicos mais sugestivos e mais inspiradores. Há, nele, a razão
inexcusável de que Deus, o Senhor de todas as causas da nossa vida, sobrepõe-se
aos fatos de nossa realidade humana, sonhadora e frágil – o Deus da Bíblia não
é um deus deslembrado da vida de seus filhos. Ele não se situa como o deus dos
deístas, criador, é verdade, mas distanciado de suas criaturas, desinteressado
e esquecido. Vê-se uma mulher, em seu sonho natural da concepção, sentindo-se
impotente para realizá-lo. O que faz? Recorre a quem criou a vida. Literalmente
derrama-se diante do Senhor. Suas palavras em ardente súplica confundem-se com
a angústia de sua alma – “Levantou-se Ana, e, com amargura de alma, orou ao
Senhor, e chorou abundantemente” (10). E – grandeza maior de quem ora com
maturidade! –, o que desejava seria, em última análise, para o Senhor – “E fez
um voto, dizendo: Senhor dos Exércitos, se benignamente atentares para a
aflição da tua serva, e de mim te lembrares, e lhe deres um filho varão, ao
Senhor o darei por todos os dias da sua vida...” (11). Há, por fim, a
surpreendente percepção de um sacerdote – Eli. Faltou-lhe acuidade, algo
análogo à educação dos próprios filhos, o que resultou no desfecho doloroso
narrado em 1Sm 4.5-11, e sua própria morte (12-22). Aos noventa e oito anos, cego, teria visto a
deslustração da glória de Deus, com a tomada da arca pelos filisteus? É certo,
sim, que de ambos os fatos tomou conhecimento (17, 22).
Um quadro sugestivo? Sim. Por um exemplo de oração diferente
do que se convencionou entre nós. O nosso modelo de oração incorpora a forma, a
estética, a audibilidade. Oramos para que os outros vejam e ouçam. Quer-se,
nesses casos, a participação da comunidade. Nada a obstar, desde que não se
tenha essa forma de orar como sucedânea da oração secreta, no silêncio da alma.
Há, ainda, quem ora como se Deus padecesse de alguma deficiência auditiva...
A força da oração
de Ana emanava do mais profundo do seu ser – “Ana só no coração falava; seus
lábios se moviam, porém não se lhe ouvia voz nenhuma” (13). Ana apenas olhava
para o Senhor. O que vem a ser esse “olhar para o Senhor”? Assevera Richard
Foster que “olhar para o Senhor diz respeito a um fitar interno do coração
fixado em Deus, o Centro divino”. Acresce que, numa experiência dessa
magnitude, nós “desfrutamos o calor da presença de Deus. Ficamos embebidos no
amor e no cuidado divino. A alma, introduzida no Lugar Santo, fica imobilizada
com o que vê” (FOSTER, Richard J. Santuário
da Alma. São Paulo: Vida, 2011, p. 67. 142 pgs.)
Temos aí um exemplo de oração profunda, de um filho de Deus,
amadurecido, que ora não apenas para pedir alguma coisa, mas, sobretudo, para comungar com Deus. Nesse
nível de consciência, a oração evolui de usufruto para doação – “o que me deres
será teu”. É uma oração-dádiva, doação, daquele modelo que deve expressar o
comportamento orante de todo cristão.
A contemplar os lábios trêmulos de uma mulher sofrida,
postava-se um sacerdote um tanto quanto inconsequente. Teve-a por embriagada
(13, 14). Sacerdote é homem. Só Deus conhece nossas entranhas – o mais
recôndito do nosso ser. Nós, humanos, julgamos pela aparência. Deus vê nossa
interioridade. Alguns textos bíblicos reforçam essa forma de entender as
relações divino-humanas, como estes: Pv
21.2 – “...o Senhor sonda os corações”; Sl 7.9 – “...sondas a mente e o coração,
ó justo Deus”; Sl 26.2 – “...sonda-me o coração e os pensamentos”; Sl 139.23 –
é uma súplica do rei Davi: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me
e conhece os meus pensamentos”; Hb 4.13 – “...todas as coisas estão descobertas
e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas” e Ap 2.23 – “...eu
sou aquele que sonda mentes e corações...”.
O quadro é inspirador ao apresentar um nível de relação
divino- humana acima do convencional... É o que chamaríamos de oração no
Espírito (ou orar com o espírito?). Esse é um tipo de oração-relação que
corresponde ao modelo aspirado pelo Senhor, em João capítulo 4, verso 24. Paulo
reconhecia a relevância de se orar com a mente e com o espírito (1Co 14.15).
Quer-se o todo do ser investido na oração. A inspiração provém do fato de que
Deus está conosco na oração para além da mera verbalização. Longe da ostentação
farisaica, denunciada com veemência pelo Senhor, a verdadeira oração nos imerge
no âmago de Deus. Tais antropomorfismos nos fazem entender que, além de uma
relação direta, oração é, também, transcendência. É um contato direto com a
Realeza Divina. Toda oração-adoração principia pelo reconhecimento dessa
Realeza. Tal não ocorre senão pela graça de Deus. Ao pensar nessa abertura de
Deus ao ser humano, incomoda perceber a que distância estamos do padrão bíblico
de oração.
Com a mãe de Samuel, aprendemos que a oração convive com a
singeleza de coração, convive com o sofrimento, com a dor da alma. O simples
fato de podermos entrar em contato direto com Deus não nos afasta das marcas
ordinárias de nossa humanidade. Oração é, sobre todas as ideias que cercam o
tema, uma experiência de comunhão com o Altíssimo. Não é um anestésico para as
nossas mazelas nem um exercício psicológico para nos relaxar. A oração de Ana
transcendia, a partir do silêncio. Não há necessidade de altissonância para a
audição do espírito. Basta a sintonia. Essa experiência há de ser natural ao
homem-com-Deus. Isto é orar.
Com o sacerdote Eli, descobrimos que nem todo sacerdócio é intermediação... Como a
graça de Deus só pode ser compartilhada por um homem a outro homem, é
necessário que aquele que a compartilha seja, de antemão, por ela possuído. Não
há como ser um canal fora dessa competência. Eli é uma sugestão a todos que
aspiram à excelente obra do episcopado, a que permanentemente revisem posturas
e condição, a integridade de seu múnus sacerdotal.
Sobretudo, o texto que encima este artigo mostra-nos como
Deus, o amorável Deus, se compadece de seus filhos. A oração do silencio da
alma de Ana não ficou sem resposta. O filho que lhe saiu das entranhas, aquelas
mesmas entranhas que agonizaram em oração, tornou-se uma referência profética e
sacerdotal para o povo de Israel. De Norte a Sul da Terra Prometida – “Crescia
Samuel, e o Senhor era com ele, e nenhuma de todas as suas palavras deixou cair
em terra. Todo o Israel, desde Dã até Berseba, conheceu que Samuel estava
confirmado como profeta do Senhor” (1Sm 3.19, 20). Afinal, Eli acertou.
Orientou o moço: “Fala, Senhor, porque o teu servo ouve”.
Recife,
23 de Fevereiro de 2016
Pastor
Válter Sales
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