Recurso extraordinário que
Deus põe à nossa disposição é a meditação. Já se disse que “meditar é ruminar”,
isto é, alimentar-se duas ou mais vezes, até porque ninguém consegue esgotar a
riqueza da Palavra. Deus recomenda que meditemos dia e noite, sem
descontinuidade (Js 1.8) e Davi, no Salmo 1º,verso
2,assevera sobre o justo: “... na sua lei medita de dia e de noite”.
Richard Foster cita Alexandre Whyte,
que declara: “Com a imaginação ungida com óleo sagrado, você abre o Novo
Testamento outra vez. Na primeira, é o publicano; na segunda, é o pródigo [...]
depois, você é Maria Madalena; Pedro no pórtico [...] até que todo no Novo
Testamento, por inteiro, corresponda à sua autobiografia”.
Contemplativos da Idade Média
costumavam chamar outra forma de meditação de “recompilação” e os quacres
[membros de uma seita protestante inglesa (a Sociedade dos Amigos), fundada no
século XVII. Prega a existência da luz interior, rejeita os sacramentos e os
representantes eclesiásticos, não presta nenhum juramento e opõe-se à guerra] a
denominavam de “convergência”. Eis aí um termo que nos interessa de perto, vez
que nos tem acompanhado ao longo de nossa caminhada estudantil e peregrinação
cristã. Já lá vão sexagenários anos de muitos sonhos e algumas realizações.
Richard J. Foster, escritor de
muitos contatos, traduziu-a nestes termos: “É um momento de aquietar-se, de
entrar no silêncio recriador, de permitir que a fragmentação da mente adquira
um centro”. Pois, aí e por aí, distendem-se os nossos novos caminhos. É o
silêncio das madrugadas livres do burburinho das gentes, do ronco dos motores,
dosembates sem fim da vida agitada das metrópoles. Dos reclamantes, dos
inconformados, dos excitados, nervosos – umbulício de todo desordenado; de
rebatimentos inconsequentes, de provocaçõessuscitantes de novos embates. E,
assim, a vida vai-se,em ostensivairrequietude,
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característicadesta
hodiernidade secularizada.
É
nesse vaivém trepidante, incauto por natureza, que podemos ouvir a divina e
maviosa voz num chamado para estarmos
com o Senhor. Esta nova conduta, decerto, colide com o ativismo indicador de
nossa finidade. Somos delimitados pelo tempo. Temos pressa. Deus, não. Ele é
Senhor do tempo porque o fez e a ele não se verga. Algo que nos falece...
Estar com Deus, que é o Senhor, é o
que de melhor podemos fazer. Repousar ante a soberania de sua face. Isto nos dá
segurança. Agiganta-nos. Magnos exemplos: Jó, no auge da angústia, recobra
ânimo e declara: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos de veem”
(42.5) e mais: “Eu sei que o meu
Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra” (19.25). E Paulo, em carta pastoral
ao jovem Timóteo, produz grandioso eco às palavras do inesgotável patriarca: “...
eu sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o
meu depósito até aquele Dia” (2Tm 1.12b). Outra vez, Paulo, luminar do
pensamento cristão, a refletir sobre os sofrimentos do presente e as glórias do
porvir – “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a
Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Versões
diversas grafam: “cooperam juntamente...”.
É o conjunto dos fenômenos da humana existência sob coordenação da Sabedoria
Suprema. Mente humana alguma é capaz de aferir o nível das ações completas do
Altíssimo. Nenhuma racionalização as alcança. Não se chaga lá pela via da
cognição, que requer semelhança ou representação do objeto, para crer; menos,
ainda, pela via de um misticismo superficial, que se basta, acrítico, nas
primeiras impressões. É uma questão de fé – assentimento intelectual e
experiência imprescindíveis. O que é cognitivo ou empírico, para os amantes da
ciência de Sócrates. Essa conjugação também é necessária ao campo da teologia.
Ao reticente Tomé, Jesus ensinou que é preciso crer para ver. À sofrida Marta,
irmã do falecido Lázaro, enfeixou o mesmo princípio: “Não te disse eu que, se
creres, verás a glória de Deus?” (Jo 11.40). Ao irrefletido Pedro foi dito, de
forma conclusiva: “O que eu faço não o sabes agora; compreendê-lo-ás depois” (Jo 13.7).Por vezes, através daquilo
que não entendemos, ao tempo em que
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ocorre,
Deus derrama sua graça sobre nossa vida. Entender os feitos de Deus e
aceitá-los, impondo-se à nossa agenda, é um desafio para a vida toda.
É
princípio mesmo, a que alude o autor da Epístola aos Hebreus: “De fato, sem fé
é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima
de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam” (Hb
11.6). O salmista Davi frequentou essespáramos de glória: “... Ele é a minha
rocha, a minha salvação, o meu alto refúgio; não serei muito abalado”. Abalado,
sim; mas não muito. “... não serei jamais abalado” (Sl 62.2, 6). “Jamais”! É
isso impossível? Não. Aconteça o que acontecer. No passado Habacuque verberou esta
verdade: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto
da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam
arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no
Senhor, exulto no Deus da minha salvação. O Senhor Deus é a minha fortaleza, e
faz os meus pés como os da corça, e me faz andar altaneiramente” (Hc 3.17-19).
Agora entendemos esse monumental
poema de Paulo, em que ele realça as provas e a certeza do amor de Deus. Vai em
destaque pleno:
Que
diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio
Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente
com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É
Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou,
antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por
nós. Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou
perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: Por
amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos consideradoscomo ovelhas para
o matadouro. Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio
daquele que nos amou. Porque eu estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem
os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os
poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá
separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor. (Rm 8.31-39).
Igualmente,
podemos compreender essa joia literária e teológica produzida por Paulo e
endereçada aos romanos(11.33-36). Nela o
Apóstolo delineia todo o
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seu
deslumbramento com a sabedoria dos desígnios divinos. Também comodestaque, pela
beleza, grandeza, a suntuosidade de suas expressões.
Ó
profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão
insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem,
pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem
primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio
dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!
Podemos,
por conseguinte, descansar no Senhor, em sua sabedoria, em seu poder, na graça
e na misericórdia com que Ele cobre nossa vida. O Salmo 37 nos ensina a confiar
no Senhor, esperar nele, descansar nele. Este caminho já deve ser bem conhecido
por todos os seguidores de Jesus de Nazaré, cristãos plenamente identificados
com os propósitos divinos. Nesse caminhar, é certo que o Senhor está conosco –
“Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações” (Sl
46.1).
A
prática da meditação leva-nos à gloriosa presença do Deus Todo-Poderoso. “É o
momento de aquietar-se, de pôr a mente no centro”. Deus age no centro de nossas
vidas, quando nossas vidas são postas no centro de sua vontade.
Vamos
lá! Vamos ao centro! – nosso ponto de apoio, onde Deus está. Só Ele sabe
verdadeiramente de todas as coisas – “Eu é que
sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor;
pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais”
(Jr 29.11).
Recife,
09.10.2012
Válter Sales
Obs.: Texto dedicado ao amado mano, Rui Sales.
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