terça-feira, 9 de outubro de 2012

MEDITAÇÃO


         Recurso extraordinário que Deus põe à nossa disposição é a meditação. Já se disse que “meditar é ruminar”, isto é, alimentar-se duas ou mais vezes, até porque ninguém consegue esgotar a riqueza da Palavra. Deus recomenda que meditemos dia e noite, sem descontinuidade (Js 1.8) e Davi, no Salmo 1º,verso 2,assevera sobre o justo: “... na sua lei medita de dia e de noite”.
            Richard Foster cita Alexandre Whyte, que declara: “Com a imaginação ungida com óleo sagrado, você abre o Novo Testamento outra vez. Na primeira, é o publicano; na segunda, é o pródigo [...] depois, você é Maria Madalena; Pedro no pórtico [...] até que todo no Novo Testamento, por inteiro, corresponda à sua autobiografia”.
            Contemplativos da Idade Média costumavam chamar outra forma de meditação de “recompilação” e os quacres [membros de uma seita protestante inglesa (a Sociedade dos Amigos), fundada no século XVII. Prega a existência da luz interior, rejeita os sacramentos e os representantes eclesiásticos, não presta nenhum juramento e opõe-se à guerra] a denominavam de “convergência”. Eis aí um termo que nos interessa de perto, vez que nos tem acompanhado ao longo de nossa caminhada estudantil e peregrinação cristã. Já lá vão sexagenários anos de muitos sonhos e algumas realizações.
            Richard J. Foster, escritor de muitos contatos, traduziu-a nestes termos: “É um momento de aquietar-se, de entrar no silêncio recriador, de permitir que a fragmentação da mente adquira um centro”. Pois, aí e por aí, distendem-se os nossos novos caminhos. É o silêncio das madrugadas livres do burburinho das gentes, do ronco dos motores, dosembates sem fim da vida agitada das metrópoles. Dos reclamantes, dos inconformados, dos excitados, nervosos – umbulício de todo desordenado; de rebatimentos inconsequentes, de provocaçõessuscitantes de novos embates. E, assim, a vida vai-se,em ostensivairrequietude,
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característicadesta hodiernidade secularizada.
É nesse vaivém trepidante, incauto por natureza, que podemos ouvir a divina e maviosa voz num chamado para estarmos com o Senhor. Esta nova conduta, decerto, colide com o ativismo indicador de nossa finidade. Somos delimitados pelo tempo. Temos pressa. Deus, não. Ele é Senhor do tempo porque o fez e a ele não se verga. Algo que nos falece...
            Estar com Deus, que é o Senhor, é o que de melhor podemos fazer. Repousar ante a soberania de sua face. Isto nos dá segurança. Agiganta-nos. Magnos exemplos: Jó, no auge da angústia, recobra ânimo e declara: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos de veem” (42.5) e mais: “Eu sei  que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra” (19.25). E Paulo, em carta pastoral ao jovem Timóteo, produz grandioso eco às palavras do inesgotável patriarca: “... eu sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele Dia” (2Tm 1.12b). Outra vez, Paulo, luminar do pensamento cristão, a refletir sobre os sofrimentos do presente e as glórias do porvir – “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Versões diversas grafam: “cooperam juntamente...”. É o conjunto dos fenômenos da humana existência sob coordenação da Sabedoria Suprema. Mente humana alguma é capaz de aferir o nível das ações completas do Altíssimo. Nenhuma racionalização as alcança. Não se chaga lá pela via da cognição, que requer semelhança ou representação do objeto, para crer; menos, ainda, pela via de um misticismo superficial, que se basta, acrítico, nas primeiras impressões. É uma questão de fé – assentimento intelectual e experiência imprescindíveis. O que é cognitivo ou empírico, para os amantes da ciência de Sócrates. Essa conjugação também é necessária ao campo da teologia. Ao reticente Tomé, Jesus ensinou que é preciso crer para ver. À sofrida Marta, irmã do falecido Lázaro, enfeixou o mesmo princípio: “Não te disse eu que, se creres, verás a glória de Deus?” (Jo 11.40). Ao irrefletido Pedro foi dito, de forma conclusiva: “O que eu faço não o sabes agora; compreendê-lo-ás depois”          (Jo 13.7).Por vezes, através daquilo que não entendemos, ao tempo em que
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ocorre, Deus derrama sua graça sobre nossa vida. Entender os feitos de Deus e aceitá-los, impondo-se à nossa agenda, é um desafio para a vida toda.
É princípio mesmo, a que alude o autor da Epístola aos Hebreus: “De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam” (Hb 11.6). O salmista Davi frequentou essespáramos de glória: “... Ele é a minha rocha, a minha salvação, o meu alto refúgio; não serei muito abalado”. Abalado, sim; mas não muito. “... não serei jamais abalado” (Sl 62.2, 6). “Jamais”! É isso impossível? Não. Aconteça o que acontecer. No passado Habacuque verberou esta verdade: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação. O Senhor Deus é a minha fortaleza, e faz os meus pés como os da corça, e me faz andar altaneiramente” (Hc 3.17-19).
            Agora entendemos esse monumental poema de Paulo, em que ele realça as provas e a certeza do amor de Deus. Vai em destaque pleno:
Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós?         Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos consideradoscomo ovelhas para o matadouro. Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. Porque eu estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor. (Rm 8.31-39).

Igualmente, podemos compreender essa joia literária e teológica produzida por Paulo e endereçada aos romanos(11.33-36).  Nela o Apóstolo delineia todo o
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seu deslumbramento com a sabedoria dos desígnios divinos. Também comodestaque, pela beleza, grandeza, a suntuosidade de suas expressões.

Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!

Podemos, por conseguinte, descansar no Senhor, em sua sabedoria, em seu poder, na graça e na misericórdia com que Ele cobre nossa vida. O Salmo 37 nos ensina a confiar no Senhor, esperar nele, descansar nele. Este caminho já deve ser bem conhecido por todos os seguidores de Jesus de Nazaré, cristãos plenamente identificados com os propósitos divinos. Nesse caminhar, é certo que o Senhor está conosco – “Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações” (Sl 46.1).
A prática da meditação leva-nos à gloriosa presença do Deus Todo-Poderoso. “É o momento de aquietar-se, de pôr a mente no centro”. Deus age no centro de nossas vidas, quando nossas vidas são postas no centro de sua vontade.
Vamos lá! Vamos ao centro! – nosso ponto de apoio, onde Deus está. Só Ele sabe verdadeiramente de todas as coisas – “Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor; pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais” (Jr 29.11).

                                                                       Recife, 09.10.2012

                         Válter Sales


Obs.: Texto dedicado ao amado mano, Rui Sales.