terça-feira, 9 de outubro de 2012

MEDITAÇÃO


         Recurso extraordinário que Deus põe à nossa disposição é a meditação. Já se disse que “meditar é ruminar”, isto é, alimentar-se duas ou mais vezes, até porque ninguém consegue esgotar a riqueza da Palavra. Deus recomenda que meditemos dia e noite, sem descontinuidade (Js 1.8) e Davi, no Salmo 1º,verso 2,assevera sobre o justo: “... na sua lei medita de dia e de noite”.
            Richard Foster cita Alexandre Whyte, que declara: “Com a imaginação ungida com óleo sagrado, você abre o Novo Testamento outra vez. Na primeira, é o publicano; na segunda, é o pródigo [...] depois, você é Maria Madalena; Pedro no pórtico [...] até que todo no Novo Testamento, por inteiro, corresponda à sua autobiografia”.
            Contemplativos da Idade Média costumavam chamar outra forma de meditação de “recompilação” e os quacres [membros de uma seita protestante inglesa (a Sociedade dos Amigos), fundada no século XVII. Prega a existência da luz interior, rejeita os sacramentos e os representantes eclesiásticos, não presta nenhum juramento e opõe-se à guerra] a denominavam de “convergência”. Eis aí um termo que nos interessa de perto, vez que nos tem acompanhado ao longo de nossa caminhada estudantil e peregrinação cristã. Já lá vão sexagenários anos de muitos sonhos e algumas realizações.
            Richard J. Foster, escritor de muitos contatos, traduziu-a nestes termos: “É um momento de aquietar-se, de entrar no silêncio recriador, de permitir que a fragmentação da mente adquira um centro”. Pois, aí e por aí, distendem-se os nossos novos caminhos. É o silêncio das madrugadas livres do burburinho das gentes, do ronco dos motores, dosembates sem fim da vida agitada das metrópoles. Dos reclamantes, dos inconformados, dos excitados, nervosos – umbulício de todo desordenado; de rebatimentos inconsequentes, de provocaçõessuscitantes de novos embates. E, assim, a vida vai-se,em ostensivairrequietude,
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característicadesta hodiernidade secularizada.
É nesse vaivém trepidante, incauto por natureza, que podemos ouvir a divina e maviosa voz num chamado para estarmos com o Senhor. Esta nova conduta, decerto, colide com o ativismo indicador de nossa finidade. Somos delimitados pelo tempo. Temos pressa. Deus, não. Ele é Senhor do tempo porque o fez e a ele não se verga. Algo que nos falece...
            Estar com Deus, que é o Senhor, é o que de melhor podemos fazer. Repousar ante a soberania de sua face. Isto nos dá segurança. Agiganta-nos. Magnos exemplos: Jó, no auge da angústia, recobra ânimo e declara: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos de veem” (42.5) e mais: “Eu sei  que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra” (19.25). E Paulo, em carta pastoral ao jovem Timóteo, produz grandioso eco às palavras do inesgotável patriarca: “... eu sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele Dia” (2Tm 1.12b). Outra vez, Paulo, luminar do pensamento cristão, a refletir sobre os sofrimentos do presente e as glórias do porvir – “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Versões diversas grafam: “cooperam juntamente...”. É o conjunto dos fenômenos da humana existência sob coordenação da Sabedoria Suprema. Mente humana alguma é capaz de aferir o nível das ações completas do Altíssimo. Nenhuma racionalização as alcança. Não se chaga lá pela via da cognição, que requer semelhança ou representação do objeto, para crer; menos, ainda, pela via de um misticismo superficial, que se basta, acrítico, nas primeiras impressões. É uma questão de fé – assentimento intelectual e experiência imprescindíveis. O que é cognitivo ou empírico, para os amantes da ciência de Sócrates. Essa conjugação também é necessária ao campo da teologia. Ao reticente Tomé, Jesus ensinou que é preciso crer para ver. À sofrida Marta, irmã do falecido Lázaro, enfeixou o mesmo princípio: “Não te disse eu que, se creres, verás a glória de Deus?” (Jo 11.40). Ao irrefletido Pedro foi dito, de forma conclusiva: “O que eu faço não o sabes agora; compreendê-lo-ás depois”          (Jo 13.7).Por vezes, através daquilo que não entendemos, ao tempo em que
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ocorre, Deus derrama sua graça sobre nossa vida. Entender os feitos de Deus e aceitá-los, impondo-se à nossa agenda, é um desafio para a vida toda.
É princípio mesmo, a que alude o autor da Epístola aos Hebreus: “De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam” (Hb 11.6). O salmista Davi frequentou essespáramos de glória: “... Ele é a minha rocha, a minha salvação, o meu alto refúgio; não serei muito abalado”. Abalado, sim; mas não muito. “... não serei jamais abalado” (Sl 62.2, 6). “Jamais”! É isso impossível? Não. Aconteça o que acontecer. No passado Habacuque verberou esta verdade: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação. O Senhor Deus é a minha fortaleza, e faz os meus pés como os da corça, e me faz andar altaneiramente” (Hc 3.17-19).
            Agora entendemos esse monumental poema de Paulo, em que ele realça as provas e a certeza do amor de Deus. Vai em destaque pleno:
Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós?         Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos consideradoscomo ovelhas para o matadouro. Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. Porque eu estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor. (Rm 8.31-39).

Igualmente, podemos compreender essa joia literária e teológica produzida por Paulo e endereçada aos romanos(11.33-36).  Nela o Apóstolo delineia todo o
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seu deslumbramento com a sabedoria dos desígnios divinos. Também comodestaque, pela beleza, grandeza, a suntuosidade de suas expressões.

Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!

Podemos, por conseguinte, descansar no Senhor, em sua sabedoria, em seu poder, na graça e na misericórdia com que Ele cobre nossa vida. O Salmo 37 nos ensina a confiar no Senhor, esperar nele, descansar nele. Este caminho já deve ser bem conhecido por todos os seguidores de Jesus de Nazaré, cristãos plenamente identificados com os propósitos divinos. Nesse caminhar, é certo que o Senhor está conosco – “Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações” (Sl 46.1).
A prática da meditação leva-nos à gloriosa presença do Deus Todo-Poderoso. “É o momento de aquietar-se, de pôr a mente no centro”. Deus age no centro de nossas vidas, quando nossas vidas são postas no centro de sua vontade.
Vamos lá! Vamos ao centro! – nosso ponto de apoio, onde Deus está. Só Ele sabe verdadeiramente de todas as coisas – “Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor; pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais” (Jr 29.11).

                                                                       Recife, 09.10.2012

                         Válter Sales


Obs.: Texto dedicado ao amado mano, Rui Sales.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

PARA ESTAR DIANTE DE DEUS


“Entra no teu quarto, fecha
a porta, fica ali, em secreto
com o teu Pai” (Mt 6.6)


            Recolher-se e estar com Deus, em desimpedida comunhão, eis aí uma das dificuldades próprias destes dias agitados que vivemos, na luta por sobrevivência ou por afirmação. Para estarmos reservadamente em comunhão com o Senhor Supremo de nossa vida, precisamos de recolhimento até o nível de uma unidade interior. Jesus ensina: “Entra no teu quarto, fecha a porta e permanece ali, em secreto, com o teu Pai, que vê em secreto. Ele te recompensará”.
            Além deste ensino do Divino Mestre, há orientações de homens de Deus  experimentados na arte do recolhimento espiritual. “A ideia é deixar todas as distrações que se revitalizam, até estarmos realmente presentes onde estamos”, diz Richard Foster, em Santuário da Alma. Sugere ainda que se deve ancorar a alma numa breve frase das Escrituras Sagradas. Nossa fixação numa passagem bíblica ou na presença real de Cristo ajuda-nos no desejado recolhimento.
            Evelyn Underhill sugere que se mantenham em mente nomes ou atributos de Deus, uma passagem bíblica ou um momento da vida de Cristo, até que esses elementos ocupem todo o nosso campo mental. Em face de um turbilhão interior que nos assalta e nos controla, há que se tomar consciência da Presença de Deus no recinto onde estamos e submeter a Ele frustrações ou distrações que nos desviem do foco. Ele nos vai recolhendo e nos vai libertando, para “uma rendição voluntária, um ´autoabandono à Providência divina`”, na frase lúcida de Jean-Pierre de Caussade.
            E Richard Foster arremata: “Exatamente porque o Senhor está presente conosco, podemos relaxar e deixar de pensar em qualquer coisa, pois na  Presença divina nada de fato interessa, nada tem importância, a não ser ocupar- nos com Deus. Deixamos que distrações e frustrações interiores derretam como a neve ao sol. Deixamos que Deus acalme as tempestades enfurecidas do nosso interior. Deixamos que o grande silêncio de Deus aquiete nosso coração ruidoso”.
            Para estar diante de Deus, é imprescindível buscá-lo – “Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração” (Jr 29.13). Para estar diante de Deus, necessário é confiar-lhe a vida – Ele é o Senhor. Não há outro, até porque ninguém pode servir, de uma vez, a dois senhores, ensina Jesus, em Mt 6.24. Corre-se o risco de se devotar a um e desprezar o outro. Para se chegar a Deus há somente um caminho – Jesus Cristo: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6).


                                                                                  Recife, 19.12.2011
                                                                                      Válter Sales

“E O VENTO CESSOU”



“Subiu para o barco para estar com eles, e o vento cessou. Ficaram entre si atônitos”  (Mc 6.51)


            Há ventos convulsivos no Mar da Galiléia. E se há convulsão no mar, há perigo para os pescadores, ainda que acostumados a essas intempéries, porque era do mar que tiravam sua mantença. Portanto, viviam no mar como viviam em casa. Transparece dessa convivência certa naturalidade. Ondas vão e vêm, e eles estão lá, como se fossem senhores de qualquer situação.
            Jesus vem de mais um milagre – a primeira multiplicação de pães e peixes. Já uma multidão ficara perplexa, e alimentada de pães e peixes. Então compeliu seus discípulos a embarcar para o outro lado e chegar à cidade de Betsaida. Queria nutri-los de fé. Isola-se um pouco para orar, até ao cair da tarde. Já enegrecido o tempo pela noite que se impõe, os discípulos estão em alto-mar. Jesus, sozinho, ainda em terra. Vendo que os discípulos se debatiam com os ventos contrários, vai-lhes ao encontro, andando sobre o mar. É mais uma demonstração de poder.
            Viram-no os discípulos, como se fosse um fantasma. “Mas logo lhes falou e disse: Tende bom ânimo! Sou eu. Não temais” (50). O evangelista Marcos nos diz que eles ficaram atônitos e gritaram. É meio patético o efeito da falta de fé. O verso 52 nos informa que os discípulos, seguidores de Jesus, “não haviam compreendido o milagre dos pães; antes o seu coração estava endurecido”. É o produto natural do não crer.
            Este é um retrato de nossa vida. Também nós, hoje, somos, por vezes, faltos de fé, embora costumemos afirmar que cremos em Deus. O verdadeiro teste ocorre quando a nossa fé é posta a prova. É aí que demonstramos o que Deus, de fato, representa em nossa vida. Os discípulos de Jesus revelaram certa fragilidade. Costumavam dizer: “nós cremos”. Mas, na hora de provar sua fé, relutavam em fazê-lo.
            Há ventos impetuosos no mar de nossa vida... Tantas vezes e vezes sem conta. Fantasmas costumam assediar-nos. Nessas circunstâncias, embora nos consideremos homens e mulheres de fé, vêm à tona nossas fraquezas – somos muito vulneráveis! O mar se agiganta em ondas tenebrosas, e o frágil barquinho de nossa segurança parece soçobrar... Que fazer? É deixar Jesus, o Filho Eterno de Deus, entrar no barco de nossa vida. Aí dele ouviremos: “Tende bom ânimo. Sou eu. Não temais!” O vendaval vai cessar!
                                  

Recife, 19.12.2011
                                                                                       Válter Sales

POR QUE DEUS NÃO NOS RESPONDE?

                                                                        
                                                                “... vosso Pai sabe o de que tendes
                                                                      necessidade, antes que lho peçais
                                                                     (Mt 6.8).

            A pergunta – por que Deus não nos responde? –, não está bem colocada.  É certo que Deus responde as nossas orações. Ocorre, porém, que Deus responde como Deus, de conformidade com o seu caráter bondoso, de acordo com a sua onisciência – “Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais”. Em Mt 7.7, Jesus decreta: pedi, buscai e batei, de forma persistente, é o espírito do texto. Se Jesus falou, resta-nos obedecer. É uma questão de fé, que melhor se traduz em obediência.
            Na sequência – verso 8 –, Jesus declara que aquele que pede recebe;       o que busca encontra; e, a quem bate, abrir-se-lhe-á. Deus nos responde, por sua amizade e paternidade. Ele é nosso Pai e se faz nosso amigo. Essa amizade é graça plena! Nós, pecadores, não temos tal mérito, mas, pela sua infinita graça, Ele nos ouve e nos responde. Um Pai assim, tão amorável, jamais negaria boas dádivas aos seus filhos. Devemos, portanto, orar sem cessar.
            É verdade, no âmbito da oração mais sincera e mais profunda, que Deus nos atende. Ele considera as nossas orações. Se você tem dúvida, comece, hoje mesmo, uma vida de oração objetiva e disciplinada. Então saberá. “Se você não obtém tudo o que pede, é porque o Salvador pretende dar-lhe algo melhor”, compreende Arival Casimiro. O salmista escreveu: “Bendito seja Deus, que não me rejeita a oração, nem aparta de mim a sua graça” (Sl 66.20).
            Curvamo-nos diante do Pai Eterno, e só diante dele! Ele nos criou, nos sustenta, nos conhece desde o mais profundo de nossa alma. Ele é Deus de amor e Pai de amor. Ele “dará boas coisas aos que lhe pedirem”, disse Jesus, em Mt 7.11. Não há razão para temer sua resposta. O argumento de Jesus é que, se um pai humano sabe o que é melhor para seus filhos, como o não saberia o Pai celeste?
            Hoje, nosso desejo é que Deus levante homens e mulheres que façam da oração uma devoção. Que orem incessantemente por um despertamento espiritual no Brasil e no mundo, nas pessoas e nas igrejas. Quem sabe, uma nova reforma, que nos leve de volta à Bíblia como Palavra de Deus aos homens; a uma fé, pura e verdadeira, em Jesus Cristo – Caminho único para Deus Pai; à graça excelsa, penhor divino para a salvação de todo aquele que crê no Filho de Deus e a Ele entrega a vida, de forma completa e definitiva.
            Aí Deus nos ouvirá!
                                                                                   Recife, 13.12.2011
                                                                                       Válter Sales

“VAI E NÃO PEQUES MAIS”


                                                                           “Ficou só Jesus e a mulher no
                                                                                               meio onde estava” (J0 8.9)


            Um dos textos bíblicos mais expressivos da graça redentora de Jesus  Cristo é este de João, capítulo 8, versos de 1 a 11. Não nos importa a observação de que não consta nos manuscritos mais aceitos. Restaurar vidas miseravelmente destroçadas é o que Jesus Cristo faz todos os dias. No caso aqui, trata-se de uma mulher, infeliz, explorada por homens indignos, no corpo e na alma...
            Atrevidamente, em sua sanha hipócrita, eles citaram a lei de Moisés (5). Citaram-na de modo incompleto. Em Lv 20.10 lê-se: “Se um homem adulterar com a mulher do seu próximo, será morto o adúltero e a adúltera”. É a quebra de um princípio – o da pureza da vida, das atitudes nas relações interpessoais, haja ou não haja um enlace oficial. É o ultraje da dignidade de um ser humano do sexo feminino. Jesus não titubeou: “Aquele que estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra” (7).
            O relato prossegue com uma subtileza fenomenal – “Ficou só Jesus, e a mulher ali em pé” (9). O libelo acusatório já não há. A sentença de morte diluiu-se na ausência de moral dos acusadores. Foram saindo, um após outro, sob o impacto da Palavra do Cristo. Primeiro os mais velhos, talvez com a consciência mais carregada de pecados que os mais novos. Todos se foram. Ficaram, frente a frente, o pecado e a graça, a pecadora e o Redentor.
            Esse é o grande momento na vida daquela espoliada criatura humana.      O encontro de um pecador com Jesus é a hora de Deus! É o Filho de Deus quem fala: “Mulher, onde estão os teus acusadores? Ninguém de condenou?” (10). “Ninguém, Senhor”, ela respondeu. “Nem eu também te condeno...” (11). Cumprem-se, nesse episódio, alguns textos da Sagrada Escritura, como Jo 3.17 – o Filho de Deus não veio para julgar, mas para salvar. Cf. Jo 12.47 e Rm 8.1 – “Agora, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”.
            Só Jesus ficou com a mulher. Foi o suficiente. Ficou a graça, que é maior que os nossos pecados. Ficou o amor, que cobre uma multidão de pecados. Restou a maravilhosa restauração de um ser humano que se lança aos pés do Senhor. Agora, depois do encontro com Jesus, é nova vida, não há mais o horror da humilhação, o escárnio em público, a exposição da vergonha praticada às sombras, porque não resiste à luz. A vida é restaurada. Há um novo dia, dia de esperança, dia de redenção, de novo sentido existencial – “Vai e não peques mais”. Ficou Jesus, e Jesus é Salvação.


                                                                                  Recife, 08.12.2011
                                                                                       Válter Sales

ORAÇÃO – CANAL DA GRAÇA


     “Deus vem e fala   Sua  Palavra  nos
      surpreende no pecado,  nos  encontra
      no desespero, nos invade por meio da
      graça” (Eugene H. Peterson)


            Tem-se confundido oração com a prática de dizer coisas a Deus. Parece-nos haver certa intenção de Jesus em corrigir esse equívoco, em Mt 6.8 –          “...Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais”. Ora, se Deus sabe, e quem o afirma é Jesus Cristo, podemos descansar em seu conhecimento, sua boa vontade e sua provisão. Eugene Peterson, depois de afirmar que Deus nos surpreende por sua palavra, diz-nos também que “o essencial na oração não é o fato de aprendermos a nos expressar, mas de aprendermos a responder a Deus”.
            Temos aqui um revolucionário conceito de oração: responder a Deus. Responder, por que na oração Ele nos revela sua vontade. Oração é comunhão a esse nível. Como dizem os psicólogos da religião, “um cristão amadurecido ora não para pedir alguma coisa, mas para comungar com Deus”. Portanto, não seja a hora da oração uma experiência sofrida, mas alegre comunhão com o Deus de infinita bondade. É comprovar em nosso viver o que Ele realmente é. É deixar Deus revelar-se.
            Enquanto nutrimos nossa ansiedade, interferimos na ação divina, dentro do tempo e das condições por Deus estabelecidas. Deus não trabalha com medidas humanas, nem se confina ao espaço que criamos para as circunstâncias da vida. Quanto tempo queremos dar a Deus para que Ele resolva as nossas questões, por vezes as mais comezinhas? Exemplo: algo que nós mesmos deveríamos resolver, mas atribuímos a Deus, como se fôssemos gestores seus. Resultado: Deus não o faz porque é tarefa nossa, e nós não o fazemos porque abrimos mão de um dever nosso. Fere-se o princípio da fé genuína e coerente, e sucumbimos no desapontamento.
            Podemos pecar indicando caminhos a Deus. Na verdade, o que temos de fazer é seguir o Caminho, que é Jesus Cristo, o Emanuel – Deus conosco. Para conformar nossa vida com Deus é preciso passar por Jesus, seu Filho Eterno. Paulo afirma que Jesus é o único mediador entre Deus e os homens (1Tm 2.5).   E o próprio Jesus declara: “Eu sou o caminho..., ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6).
            A fé que se nutre na oração vai repercutir no dia a dia, na vida prática, nos afazeres ordinários. Quando nos firmamos em genuína fé, “Deus vem e fala – Sua Palavra nos surpreende no pecado, nos encontra no desespero, nos invade por meio da graça”.

                                                                                  Recife, 07.12.2011
    Válter Sales

“PERSEVERAI NA ORAÇÃO”


 
“Alegrai-vos  na  esperança,  sede
pacientes na tribulação, perseverai
na oração” (Rm 12.12).

            Dos três enfoques, elegemos, nesta reflexão, o terceiro, até por entender que a oração é o alicerce e o poder sustentador de todos os valores e de todas as virtudes da vida cristã. A falta de oração constitui-se a maior lacuna na vida de um cristão. É como se recusar a estar, reverente e genuflexo, diante do Senhor Todo-Poderoso. É como dizer: “Não tenho fé”, pois “a fé deve ser praticada pela oração, a fim de se manter viva” (Leonard Ravenhill). Não é por acaso que Deus mesmo se admira de não haver quem ore (Is 59.16).
            Samuel Chadwick escreveu: “Não há nada mais poderoso que a oração perseverante – como a de Abraão pleiteando por Sodoma; como Jacó lutando no silêncio da noite; como Moisés permanecendo na brecha; como Ana, embriagada de tristeza; como Davi com o coração quebrantado pelo arrependimento e pela dor; como Jesus suando sangue. Acrescente a essa relação, a partir dos registros da história da Igreja, sua própria observação e experiência pessoal, e sempre haverá o custo da paixão até o sangue. Essa é a oração eficaz que transforma mortais comuns em homens de poder. Essa é a oração que traz o poder, que traz o fogo, que traz a chuva. Ela traz vida, ela traz a presença de Deus”.
            A oração é a via relacional mais efetiva e mais eficaz para conhecermos Deus, pois não apenas nos permite falar sobre Ele e seus atributos, mas, sobretudo, falar com Ele, numa relação de amigos, sem reservas; um falar face a face, sem obstáculos, sem circunlóquios (rodeios), sem cerimônia e sem formalismos.
            Só mesmo Deus sabe por que nos submete a esperas que parecem não ter fim, a lágrimas incontidas, a humilhações e afrontas. No seu fim, tudo traz à tona o valor da persistência ante a face soberana do Altíssimo. E tudo fica esclarecido. Quando controlamos nossa agenda pelo calendário de Deus, as coisas acontecem como e quando devem acontecer. Serão atos de Deus e atos de Deus nos abençoam e nos plenificam.
            Se nos faltam ânimo e vigor para orar; se o nosso coração está desmotivado, já não arde; se a nossa alma perdeu a sensibilidade e a nossa mente perdeu a percepção de que Deus é presença certa em nossa vida, se o buscamos – “Buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração” (Jr 29.13) –, talvez tenhamos perdido o rumo, e precisamos suplicar: “Senhor, ensina-nos a orar”. Ele, outra vez, nos abrirá o caminho.
           
                                                                                  Recife, 28.11.2011
                                                                                       Válter Sales